segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Orfandade da classe média

Um estudo de referência acerca do real perfil do cidadão brasileiro. Um marco que servirá de importante referencial para o entendimento de todas as dificuldades de aplicação de políticas públicas e sociais.


Todo ideário petista apresentado no artigo de Tarso Genro cai por terra como paradigmas impostos. O artigo abaixo é fruto de análise de pesquisa científica.

Vale a pena ler, refletir e guardar para usos futuros.

Orfandade da classe média
KATIA ABREU
O GLOBO 


A ascensão, na última década, de expressiva parcela da população brasileira à classe média - cerca de 30 milhões, segundo o IBGE - foi alvo de justificada euforia, confirmando a solidez dos fundamentos econômicos e da austeridade fiscal estabelecidos com o Plano Real, felizmente mantidos pelos governos posteriores. Somou-se à estratégia dos programas sociais, iniciados também com o Real e ampliados nos governos seguintes.

Restava sondar esse novo universo - a classe C -, que constitui metade da população brasileira. Com esse objetivo, a CNA contratou pesquisa minuciosa, coordenada pelo cientista social Antonio Lavareda.

O que se constata é que esse universo não fala a língua dos partidos políticos. Ou os partidos políticos não o expressam e possivelmente o desconhecem.

Mais: esse imenso segmento da população não compartilha da agenda comportamental em curso na mídia, nas academias e no Parlamento - o chamado "politicamente correto". Ou seja, há um Brasil real dissociado do Brasil institucional.

Esse Brasil classe C que, segundo a FGV, ganha entre R$1.200 e R$5.200, corresponde a cerca de 100 milhões de pessoas. É um país conservador, que professa a moral cristã e é adepto do livre mercado. Isso mesmo: é capitalista.

Anseia por mais empregos, redução de impostos e manutenção da estabilidade econômica; e quer que o Estado lhe garanta saúde, segurança e educação, o que remete a uma agenda social liberal - e não socialista.

Isso fica claro na opção maciça (74%) pelo aumento das oportunidades de emprego, em vez de ampliação dos programas sociais, como o Bolsa Família; e na rejeição às invasões de propriedades, que, para grande maioria (70%), devem ser respeitadas "independentemente da necessidade de se fazer a reforma agrária".

A pesquisa constatou ainda que há três classes C: a tradicional (41%), com maior renda, escolaridade e bens; e as emergentes, classificadas de C+ (39%) e C- (20%), conforme o patamar de sua ascensão.

O que as une são o otimismo e a confiança no país, não obstante o abismo entre seus valores e os das classes dominantes. Mas com diferentes graus de percepção da realidade. A classe C tradicional é menos receosa quanto ao futuro. As outras duas, sobretudo a C-, ainda temem os efeitos da perda gradativa do assistencialismo estatal.

Talvez por isso apoiem em graus diferenciados o atual governo: a C tradicional (52%) e a C+ (65%) mostram ampla satisfação, enquanto na C- apenas 38% sentem o mesmo.

O essencial é constatar que, embora seja metade da população, a classe C consome apenas um terço da produção agropecuária, mostrando um potencial de consumo subaproveitado, que recomenda políticas direcionadas ao seu fortalecimento.

Aos políticos e partidos liberais e conservadores, que temem a retórica dos autodenominados progressistas, a pesquisa dá um recado: é preciso tirar a população brasileira da orfandade política, ela também vítima de um patrulhamento ideológico que distancia seus representantes de seus anseios morais e existenciais.
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