quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Fantasmagoria monumental

Paulo Brossard
Zero Hora RS


Os cientistas podem arrolar as causas das tragédias que se repetem pelo mundo afora, mas, independentemente das explicações ou suposições apresentadas, elas impressionam o mais frio dos observadores pelo caráter proteiforme com que se têm apresentado.

Ontem, geleiras eternas foram se despedindo da eternidade em que dormiam e entraram a liquefazerem-se em blocos imensos para desaparecerem no oceano.

Agora, o que sucede nas duas maiores cidades do país é de desnortear. As chuvas, em regra benfazejas, converteram-se em horrores diá-rios. Insatisfeito com os desequilíbrios causados na orla marítima, o fenômeno subiu a serra que era o alívio do carioca desde o tempo de Dom Pedro, para estender o flagelo a Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo com o inacreditável desmonte de morros, desfeitos em lama, para sepultar populações de maneira e em proporções nunca vistas.

E ninguém pode dizer que o flagelo infernal tenha acabado. Longe da catástrofe, a minha situação é de comiseração e perplexidade, sem apetite para ocupar-me de coisas mais correntes. E assim, com lenço ao nariz, limitar-me-ei a reproduzir uma pergunta que me tenho feito.

Passado o alarido das festas, quase nada se pode dizer do novo governo, a não ser que houve uma visível mudança no estilo. O parlapatão de ontem, que se endeusava com uma campanha publicitária própria dos césares da decadência, foi sucedido, até agora, pela discrição. Não opino, limito-me a registrar o dado objetivo. E me pergunto: quem elabora a opinião pública no Brasil e qual seu valor?

Não faz muito, eminente professor paulista, participando de melhor programa de entrevistas na televisão, a meu juízo, declarou que a mais importante figura do governo findo era a do marqueteiro João não sei do quê. Tudo era feito conforme seu ditado soberano. O resultado é que o saldo negativo, querendo ou não, passou à sucessora do maior e melhor de todos os governos do Brasil em todos os tempos!

A inflação levantou a cabeça (5,9% não é desprezível) e coincidiu com a orgia de gastos federais precipuamente no segundo semestre do ano passado. Os saldos a pagar, dizem fontes oficiais, somam R$ 137 bilhões(!), dos quais, R$ 57 bilhões referentes a investimentos. Não era novidade o expediente, pois de 2005 a 2009 as contas a pagar aumentaram 195%, praticamente triplicando em cinco anos, e em 2011 o total dos restos a pagar foi estimado em 252% maior do que 2005.

É inegável o abandono das fronteiras, com 15.719 quilômetros e, a despeito do heroico esforço do minúsculo segmento militar, os oito anos do governo findo resumiram-se num imenso nihil, nada de nada. No momento em que escrevo (dia 14) leio em jornal de São Paulo que “Fazenda sugere a Dilma que cortes cheguem a R$ 50 bilhões”. E, segundo foi publicado, a missão a que se reservou o ilustre ex-presidente foi demonstrar agora que o mensalão... não existiu!!! Fico por aqui, deixando em silêncio chagas e chagas graves, como o arbitrário remanejo de recursos para ludibriar as contas públicas, da ordem de bilhões.

Para terminar, volto à pergunta que me tenho feito, quem e como se formula entre nós a opinião pública, sem a qual a vida nacional não passa de uma fantasmagoria monumental?

*Jurista, ministro aposentado do STF
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