segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Lições da Grécia

CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO

Este ano foi da Grécia. Mais do que Irlanda, Islândia, Espanha, Portugal ou Itália, a Grécia simbolizou a crise mundial. Mais também do que os EUA em 2008.

Na Grécia, a crise mostrou uma dimensão mais ampla: foi econômica, com forte contração do PIB; política, porque nenhum outro país teve mais greves e mobilizações nas ruas; e social, por causa da consequência do desemprego, inclusive com fome em diversos setores da sociedade.

Na Grécia é possível perceber os escombros deixados por uma economia que apresentou uma exuberância artificial, graças a uma moeda supervalorizada e ao financiamento bancário fácil, permitindo consumo privado e aumento dos gastos públicos; tudo que significa ilusão de uma riqueza provisória.

A Grécia foi, em 2011, a prova de que a riqueza fácil é também efêmera.

Mais que isso, a Grécia foi a prova do fracasso de um modelo de desenvolvimento caracterizado pelo aumento do Produto Interno Bruto, sobretudo o progresso medido pelo aumento da produção material, mesmo às custas da concentração de renda, depredação ambiental, voracidade do consumo, endividamento, irresponsabilidade bancária e governamental, moeda artificialmente forte.

Em 2011 a Grécia foi o símbolo deste modelo, mas pode ser vista também como a origem do pensamento que serviu para adotarmos e executarmos hoje esse conceito de progresso. Foi da percepção e criação da lógica, entre os gregos clássicos, que nasceu a base da ciência e da tecnologia desenvolvidas quase dois mil anos depois no Renascimento Europeu, levando à Revolução Industrial na Inglaterra e à utopia da volúpia e da voracidade das últimas décadas em todo o Globo.

Em consequência é o símbolo do fracasso do progresso que nós, dos séculos XX e XXI, transformamos em sinônimo do consumo supérfluo, do consumismo irresponsável, exigindo gastos públicos além do equilíbrio fiscal, financiamento além da responsabilidade bancária, depredação ecológica além dos limites físicos, endividamento além das possibilidades dos estados, das empresas e das famílias.

A crise da Europa não é apenas financeira, econômica, social, ecológica. Mais do que uma crise é o esgotamento de uma concepção de progresso ao mesmo tempo arrogante em relação à natureza, injusta do ponto de vista social e estúpida do ponto de vista lógico.

A saída não vai estar nas finanças públicas ou bancárias, mas em uma reorientação dos propósitos do desenvolvimento e da própria civilização.

Mas, se a Grécia é a lição do fracasso de um modelo civilizatório ali nascido, sob uma forma diferente, tanto tempo atrás, ela pode ser também uma lição para o futuro.

Ouvi de um professor universitário grego que seu salário foi reduzido em 40%. Ao perguntar-lhe como sobrevivia, respondeu: “Primeiro tirei o filho da escola privada, coloquei-o na pública e agora tento ajudar sua escola a melhorar; já não tenho como ir ao trabalho de carro, em compensação, como muitos estão na mesma situação, o trânsito flui melhor; reduziram meu salário em 40%, mas também minha carga de trabalho na mesma proporção, e estou aproveitando o tempo livre para atividades que me dão prazer e, às vezes, uma renda adicional; quase não saio para comer fora de casa, mas aprendi a gostar de cozinhar; não tenho comprado roupas novas, mas não tenho sentido falta delas; meus eletrodomésticos não serão trocados nos próximos anos, mas não estou vendo necessidade disso; sinto muita falta de viagens ao exterior, mas estou descobrindo as riquezas turísticas da Grécia, inclusive uma ao lado da minha casa que atrai turistas de todo o mundo. Neste Natal gastaremos muito menos, mas a alegria não será reduzida na mesma proporção”.

Nem todos profissionais gregos podem ter esta lucidez e estas alternativas: as camadas mais pobres não têm como reduzir o consumo, os filhos já estão na escola pública, não têm alternativas de lazer, e nem de trabalho extra que assegure renda adicional; mas, de qualquer forma, esse exemplo é um indicador de que pode vir da Grécia, ao mesmo tempo, a prova do fracasso de um modelo civilizatório e a ideia de inflexão em direção a uma nova civilização, na qual o crescimento da produção econômica deixe de ser o padrão para definir o Bem Estar e a Felicidade; na qual seja possível até mesmo um decrescimento feliz, em harmonia social e com a natureza, sem endividamento, com mais tempo livre, mais bens públicos, com austeridade criativa e gratificante.
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