sábado, 1 de janeiro de 2011

É hora de empreender

Mauro Chaves
O ESTADO DE S. PAULO

Que não importem o inchaço do Estado nem a gula arrecadatória das máquinas públicas de quaisquer esferas, nem a burra burocracia oficial, nem o "custo Brasil", que tem como peso principal uma infraestrutura de transportes em frangalhos, nem o fato de os gastos com a terceirização no governo federal terem saltado de R$ 7,6 bilhões em 2006 para R$ 14,1 bilhões em 2009 - portanto, 85% -, nem que a despesa com pessoal ativo e inativo dos três Poderes tenha crescido de R$ 105,5 bilhões para R$ 151,6 bilhões - 43%.

Que não importem as mazelas públicas - apesar de sempre devermos combatê-las com rigor - na hora de desenvolvermos nosso esforço pessoal de criação e produção. Pois é hora de produzir, de criar, de desenvolver o próprio negócio - micro, pequeno, médio ou grande -, de investir, de tentar crescer, de concorrer, de trazer os sonhos para a realidade, de tirar as ideias da gaveta, de se associar, de seguir em frente com o peito aberto, de arriscar, de considerar a cautela um prato complementar - não o principal -, de observar com lupa as oportunidades, as janelas que se abrem quando se fecham as portas, de assumir com independência a própria atividade, sem a expectativa de governos a ajudarem ou atrapalharem.

É hora do insubstituível esforço pessoal do aprendizado, do mérito sem favores - depois de este ter sido extremamente desmoralizado pela qualificação político-ideológica ou pelo simples compadrio -, é hora de produzir e tentar evoluir sem ufanismo, sem triunfalismo, sem arrogância, sem megalomania. É hora de observar toda a criatividade que ficou incubada e sem chance de desabrochar nos morros, nas favelas, nos cortiços, nos barracos, nos grotões Brasil afora, estimulando a luta pelo trabalho e a evolução profissional das famílias pobres - e não apenas o "fácil" sistema de doação de bolsas.

Apesar da quebra geral de valores, apesar de membros dos poderes públicos terem demonstrado à exaustão que o negócio deles não é servir à função pública, mas apenas servir-se dela para encher os bolsos, apesar da descrença, do descrédito e até da náusea que tem causado o comportamento de determinadas pessoas da vida política, temos de estimular as novas gerações a empreender com confiança no próprio desempenho, a cultivar sonhos de produção - e não apenas de consumo -, a lutar pela vida com independência - e não com a busca frenética de confortáveis sinecuras.

Mas é hora de empreender e produzir com honestidade, sem golpes, sem fraudes, sem jeitinhos espúrios, sem tráficos de influência, sem a ajuda fácil de padrinhos instalados na aparelhada máquina governamental. Porque empreender e produzir com honestidade é parte essencial do processo de recuperação de valores que a sociedade brasileira tem perdido nos últimos tempos - especialmente a juventude do nosso país. Que se deixe a canalhice, o mau-caratismo e as transações traiçoeiras prosperarem apenas nas tramas bem urdidas de nossas novelas, como exceções chocantes do comportamento humano - e não como reprodução corriqueira de conduta da sociedade brasileira.

É hora de não esquecê-los, de não relevá-los, mas também de não deixar que os escândalos públicos desanimem os realizadores da iniciativa privada. E mesmo que um batalhão de instituições e organizações, nos âmbitos sindical, estudantil, da comunicação e tantos outros, tenham sido cooptados a bom preço, para manterem a passividade crítica - já que há oito anos eram 499 jornais, revistas, TVs, rádios, portais e sites da internet que recebiam verbas publicitárias federais e hoje são 8.094 que as recebem, portanto, aumento de "apenas" 1.522% -, é preciso despertar nos jovens a capacidade de reação às bandalheiras públicas e a dignidade de resistir às generosas prebendas oficiais.

Ninguém duvida da marcante criatividade brasileira, da música à indústria aeronáutica - passando por inúmeras atividades em que o Brasil é dos melhores do mundo. O problema é que numerosas oportunidades existem, mas nem sempre são observadas, descobertas pelos próprios brasileiros, que se deslumbram com grifes e "novidades" de fora, da mesma forma que os estrangeiros se deslumbram com as coisas daqui. Por exemplo, se o Museu Catavento, o Museu do Futebol ou o Museu da Língua Portuguesa estivessem em Nova York, Miami, Paris ou Londres, os turistas brasileiros correriam para levar seus filhos a eles, assim que chegassem a essas cidades. Mas como estão em São Paulo...

A propósito, agora para a crianças: qual é o verdadeiro herói da história Branca de Neve e os Sete Anões? Seria o príncipe, que só teve o trabalho de beijar uma linda mulher? Seriam o Feliz, ou o Atchim, ou o Mestre, ou o Zangado, ou o Soneca, ou o Dengoso ou o Dunga - que usaram, todos eles, a mão de obra gratuita de Branca para suas tarefas domésticas, como limpar, arrumar a casa e cozinhar? (Machistas, aqueles anões...) Ou a heroína é a própria Branca de Neve, que fugiu da morte certa? Nenhum deles. O verdadeiro herói da história passa quase totalmente despercebido: trata-se do caçador, contratado pela rainha má para tirar a vida daquela de quem o espelho mágico dizia ser mais bela do que ela. Por pura compaixão e generosidade, o anônimo caçador salvou a vida da princesinha, enganando a poderosa soberana - levando-lhe o coração de um veado, dizendo tratar-se da peça encomendada (o coração de Branca), no que arriscou demais a própria vida, já que a poderosa e vingativa rainha logo iria descobrir - como descobriu - o esconderijo de sua "rival", sabendo, portanto, que comera o coração errado.

Conclusão: nem sempre os melhores são os que aparecem mais e durante mais tempo.
Feliz ano-novo!

Jornalista, advogado, escritor
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