Pequenos logros vicejam nos subterrâneos empresariais. Atenção é necessária: os ardis podem representar apenas a ponta de um nauseabundo iceberg
Fato ou ficção? Caso 1. Em uma ilibada instituição financeira (oximóron?), um gerente adiciona ao invejável salário os trocados de reembolsos fraudados em pizzarias. Uma amiga íntima no alto escalão e hábil jogo de cena provêem polimento à sua impecável reputação, enquanto uma horda de seguidores emula seus maus costumes.
Caso 2. Um vôo internacional faz “paradas técnicas” freqüentes em um paraíso fiscal. Em todas as ocasiões está presente a bordo o ilustre primo de um conhecido governador de Estado, muito próximo de um não tão ilustre diretor da empresa aérea. Caso 3. Em uma grande empresa industrial um grupo de funcionários opera uma “rede logística própria”. Um supervisor percebe estranhos movimentos de inventário, mas depois de “conversado” apenas recomenda discrição.
MCaso 4. Ha fábrica de uma multinacional européia, a equipe de manutenção “administra” as horas extras de acordo com as necessidades de caixa de seus membros. Com o tempo o esquema cresce e incorpora taxistas e até uma empresa de refeições rápidas. Nada como a economia informal! Caso 5. Em um grande hospital metropolitano o sistema de suprimentos é dominado por máfias diversas. O descontrole, somado à incompetência gerencial e à ganância de pequenos e grandes larápios, dilapida a organização.
Caso 6. Também no “maravilhoso” sistema de saúde nacional, um grande prestador de serviços detecta: em novembro, aumentam os casos de internação em UTI. Coincidência? Talvez não: com a proximidade do Natal, não são apenas os guardas rodoviários que precisam garantir uma renda extra.
Fato ou ficção? Difícil dizer. Mas não é preciso ser Sam Spade ou Nero Wolf. Basta uma conversa descontraída com funcionários (ou ex-funcionários) para descortinar detalhes das mais escabrosas histórias de fraudes e desvios. Elas seguem a trajetória usual da vida subterrânea: correm boca-a-boca e às vezes têm proporções alteradas e personagens acrescentados. Na maioria das empresas, pequenos casos são tolerados como “parte do negócio”; grandes casos são tratados com discrição. D’alguma forma, terminam por fazer parte da paisagem corporativa: são aceitos como um mal necessário.
Não deveriam! Para empresas que atuam em mercados competitivos, nos quais cada centavo no custo conta, os robustos porcentuais extraídos por esquemas paralelos podem pintar de desalentador tom vermelho o resultado. Para organizações públicas, que teoricamente existem para servir à população, os esquemas paralelos limitam a capacidade e a qualidade do atendimento. Em hospitais, o impacto deveria ser medido em vidas.
Segundo o especialista Fernando Fleider, da empresa de gestão de riscos ICTS Global, as fraudes e desvios ocorrem por dois motivos: má intenção e controles deficientes. Diante da possibilidade de ganhos, incorporamos o homo economicus: se o ganho é grande e o risco é baixo, então, por que não?
Algumas empresas toleram 2% a 4% de perdas, que denominam de “custo de fazer negócios”. Mas esse custo, o direto, é apenas parte do impacto total, e pode ser a ponta de um gigantesco e putrefato iceberg. O custo indireto, relacionado à deterioração da imagem, à perda de eficiência e à redução da lucratividade, é quase impossível de avaliar.
O gerente que falsifica reembolsos está fraudando a empresa em mais de R$ 300 ou R$ 500 por mês: sua pequena falcatrua fomenta um ambiente de incompetência, venalidade e cinismo, de impactos difíceis de quantificar. Enquanto larápios iniciantes equipam a casa de praia com tevês de 29 polegadas e trapaceiros mais experientes trocam o carro dos filhos adolescentes, o País perde investidores assustados com as “peculiaridades” locais.
Fleider é categórico: toda organização está sujeita a problemas de fraudes e desvios. Para tratá-los, a receita é transparência, aperfeiçoamento dos processos internos e melhoria dos controles. No lugar de repressão, comunicação e sensibilização; no lugar de punição, prevenção. As fraudes e desvios estão aumentando? Difícil dizer, mas, conforme a transparência aumenta e os controles evoluem, a tendência é haver uma redução de casos. A situação é pior no Brasil? Não se nos compararmos com países como México e Argentina, porém ficamos a boa distância das nações desenvolvidas. Razão principal: impunidade. Aqui se faz, mas aqui não se paga.
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