Sempre haverá pessoas malucas no mundo. E para cada 1.000 pessoas malucas haverá uma pessoa supermaluca, um "6 Sigma"*. E entre cada 1.000 dessas haverá uma mais maluca ainda, gente a quem vou chamar de "7 Sigma". Pessoas inteligentíssimas e competentes, mas que estão longe do padrão normal.
Na Idade Média, um desses malucos, de mal com a vida e o mundo, poderia sair matando uns vinte inocentes no mercado principal, até que os cavaleiros do rei lhe cortassem a cabeça. Nos anos 80, um terrorista matava 200 com uma bomba numa estação de trem.
Hoje, graças ao avanço da tecnologia, um maluco pode seqüestrar um avião e matar 2.000 pessoas. Daqui a alguns anos, correremos o enorme risco de um "7 Sigma" modificar um vírus da gripe e misturá-lo com o vírus da Aids, e então veremos 80% da população mundial e brasileira ser dizimada, se não percebermos esse novo problema que nos assola. A luta contra esse terror não é exclusivamente americana, como muitos estão comodamente achando. Um vírus aéreo da Aids lançado em Nova York em dois meses estaria sendo respirado em Brasília.
Como identificar um "7 Sigma" antes que ele faça um estrago grave é um problema sério que o mundo poderá enfrentar nos próximos cinqüenta anos. É um problema policial-sociológico-jurídico-político absolutamente novo e exigirá soluções muito ipopulares.
Por exemplo, como identificar essa gente maluca com nossos valores de privacidade, sigilo e liberdade? Como identificar os "7 Sigma" sem impor um Estado policial, numa cultura que abomina o "dedo-duro"? Como prendê-los sem muitas provas de suas malucas futuras intenções? Como condená-los à prisão se ainda não cometeram o monstruoso crime?
Depois do 11 de setembro, esse perigo ficou mais claro para o mundo, mas o governo americano mudou de enfoque e demarcou países como o Iraque e a Coréia como perigosos, e não os futuros "7 Sigma" espalhados por aí. Em minha modesta opinião, isso é um erro. Saddam e seus filhos queriam poder e dinheiro. Quem quer dinheiro e poder avalia seus limites. Bin Laden e seus suicidas queriam vingança, e isso sim é um perigo assustador. Vingança a qualquer preço, para si e para os outros, e quem está disposto ao suicídio já ultrapassou qualquer limite de razoabilidade.
Como também queria vingança o criador do vírus Sobig.F, que chegou a contaminar um em cada dezesseis e-mails, e preparava um enorme ataque ao site da Microsoft, destruindo e-mails de médicos a seus pacientes, pedidos de remédios e chats de apoio psicológico, entre outras coisas.
Um segundo erro da doutrina Bush é que ela quer implantar democracias liberais no resto do mundo como solução. Mas democracias liberais são justamente aquelas que não acreditam em um Estado que controle a população, e sim numa população que controle um Estado. Justamente o contrário do que precisamos para proteger a nação de um "7 Sigma".
Os Estados Unidos já implantaram redes neurais que supervisionam movimentos de pessoas, de cheques e sinais estranhos na população. Mas quem vai supervisionar o mundo? Os americanos, a ONU, cada país por si ou a polícia montada canadense? É uma bela encrenca a ser resolvida.
No fundo, o que ocorre é que o mundo está avançando em termos de tecnologia muito mais rapidamente do que em termos de psicologia, sociologia e política. Um único indivíduo instruído com um bom laboratório nos fins de semana tem acesso a tecnologia de destruição capaz de dizimar o mundo. Talvez o risco dos "7 Sigma" não seja tão grande quanto estou supondo, e vão me criticar por alarmismo. Eu também prefiro achar que não vai acontecer nada, mas e se der zebra e não estivermos preparados?
Vão dizer que o ser humano no fundo é bonzinho e não faria mal a ninguém. Esquecem que todo dia hospitais, indústrias de remédios, médicos e dentistas perdem arquivos valiosos por causa de 7.000 vírus que andam rodando por aí, plantados no sistema por alguém, sem alvo definido, sem medir conseqüências. Eu sinceramente preferiria discutir um pouco mais essa questão em vez de ignorá-la como estamos fazendo.
* Sigma é uma medida estatística de desvio da normalidade. Quanto mais Sigma, mais anormal. Estima-se que existam mais de 650.000 pessoas "6 Sigma" no mundo e 1.650 pessoas "7 Sigma". O drama é que não se sabe quem são.
Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)
Revista Veja, Editora Abril, edição 1820, ano 36, nº 37 de 17 de setembro de 2003, página 22
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