segunda-feira, 21 de março de 2011

FHC: "EUA não têm mais como impor nada para o mundo"

Entrevista: Fernando Henrique Cardoso
FOLHA DE S. PAULO
Eliane Cantanhêde

Para ex-presidente brasileiro, Obama chega ao Brasil em um momento que "não dá mais para pensar em termos norte-sul"

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 79, diz que o presidente Barack Obama chega hoje ao Brasil num novo momento mundial, em que "os EUA vão parar de gritar, vão ter de sussurrar".

Em entrevista à Folha, acrescentou que os EUA precisam mudar com o mundo: "Não dá para ser mais aquele isolacionismo imperial, do "eu quero" e acontece".

Na opinião dele, o abalo nas relações Brasil-EUA na era Lula foi por causa do Irã, mas a presidente Dilma Rousseff não está promovendo guinada, "só ajustes".

Dilma convidou FHC e todos os outros ex-presidentes para participar de um almoço oferecido a Obama hoje em Brasília.

Folha - O que esperar da vinda de Obama?

Fernando Henrique Cardoso - É um sinal importante que ele venha e que venha agora, num momento em que não dá mais para pensar mais o mundo em termos de Norte e Sul. O Brasil olhou os EUA a vida inteira com o complexo de eles serem Norte e nós, Sul. Apesar da retórica, o fato de discriminar os EUA indicava inferioridade. Não precisamos mais disso.

Por que o abalo nas relações Brasil-EUA?

Sobretudo por causa do Irã. Você se meter no Irã sem ter cartas para jogar era e é arriscado. O que você ganha com isso? E com direitos humanos não dá para brincar. O Lula era visto como homem que vinha da esquerda e fazia uma política sensata. Aí, todo mundo se perguntou: "Ele teve recaída insensata?"

E com a Dilma?

Com os poucos sinais que a Dilma deu, as coisas já começam a se desanuviar.

A decisão do Obama de não vir ao Brasil no governo Lula foi um sinal de insatisfação?

Acho que sim. Nem diria de insatisfação, mas de reserva, de cuidado, por causa do Irã. O governo Lula não foi um governo antiamericano. Você pode falar que foi leniente na questão de direitos humanos, mas os americanos também são. Quando é do interesse deles, eles não se preocupam tanto assim com direitos humanos.

O que gerou a cambalhota da balança comercial? De um superavit de quase US$ 10 bilhões com os EUA em 2006 o Brasil passou a um deficit de quase US$ 8 bilhões em 2010.

Nós deixamos de exportar para os EUA, o que é uma coisa grave. Eles são o maior mercado do mundo. Como houve essa supervalorização do Sul... Não que eu ache errada em si, o que está errado é que foi em detrimento do Norte. Não sou contra a relação com o Sul, não. Sou contra é a ideologia Sul-Sul.

No discurso oficial, a cambalhota foi resultado do câmbio baixo. E o viés ideológico?

No mínimo, é um conjunto. E uma boa questão é o que o governo Dilma vai fazer para desvalorizar o real. Neste momento, é impossível. A saída é atacar o custo-Brasil, o custo-transporte, o custo do imposto, a falta de uma reforma tributária, para não falar na trabalhista.

Qual sua opinião sobre a possibilidade de os EUA fazerem compra antecipada do pré-sal, como a China já fez antes, na base do financiamento?

Tem que ir com jeito com os EUA e com a China, porque você está vendendo o futuro e não houve uma discussão profunda sobre o pré-sal.

E a política externa, o sr. está sentindo uma guinada?

Guinada é forte, pode ser ajuste. A Dilma já enviou sinais de ajustes, já avisou: "Eu não posso... pra mim, direitos humanos é universal".

Como o Brasil deve se colocar na polaridade EUA-China?

Há interesse do Brasil e dos EUA em se aliar. Os EUA, sozinhos, já não têm mais como impor nada ao mundo, mas é preciso o Brasil entender que os nossos interesses não se alinham numa só direção. Vamos ver que sinal o Obama vai emitir. Se for de que, em certas matérias, vamos jogar juntos, nós não devemos achar que estamos nos subordinando aos EUA.

Em que matérias?

Em meio ambiente, eventualmente na questão nuclear, na Rodada Doha. Vamos forçar a China a entrar num jogo mais puro para todos nós. E mantém-se a política tradicional nossa, de defesa da democracia e dos direitos humanos, sem incensar ditadores na expectativa de que votem em nós para o Conselho de Segurança.

O sr. apostaria que Obama vai repetir aqui o que fez na Índia e apoiar o Brasil para o Conselho? Se não, a viagem vai ficar carimbada como fiasco?

Fiasco eu não diria, mas frusta. E frusta o governo, porque o país nem nota, nem sabe. Acho muito mais vantajoso ter uma ação mais efetiva no G-20, no FMI, no Banco Mundial do que no CS.

Como o sr. imagina os EUA daqui a 20, 30 anos?

O polo mundial se deslocou para os EUA depois que eles ganharam a guerra, porque tiveram capacidade de inventar novas tecnologias e formas de produção. E, agora, a internet, toda essa onda de nova mídia, foi feita lá. A competição estratégica vai ser entre quem vai ter mais capacidade de inovar.

Efeitos da crise?

Eles vão ter de entender que a governança global não se dá mais num diretório fechado. Não dá mais para ser aquele isolacionismo imperial do "eu quero" e acontece.

E o Obama? 

Ele entrou num mau momento, pegou uma crise gigante, teve dificuldade imensa em fazer o avanço social e algum ele fez. Se as coisas continuarem assim, pode se reeleger, porque não tem nome forte no outro lado.

E a política externa? 

O Obama fez aquele discurso no Egito com uma proposta de conciliação. E daí? Assim como foram surpreendidos pelo fim da URSS, também foram agora com as revoltas no mundo árabe. E ficam atônitos, porque têm essa contradição de apoiar o errado. O chinês só grita quando pisam no calo dele, nós gritamos sem ter calo, e os EUA gritam sempre com e sem calo... Mas vão parar de gritar, vão ter de sussurrar.

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