Em Pindorama, as sombras tropicais abrigam incontáveis falcatruas. Somados os pequenos “ganhos” individuais, tem-se uma grande perda coletiva
O ranking da Transparência Internacional recentemente divulgado coloca o Brasil em uma pouco invejável 54ª posição. Perfiladas as nações, 53 delas são mais honestas do que nós. O índice, que mede a percepção de corrupção, é apurado anualmente. A lista traz no topo (países mais “limpos”) a Finlândia, que também apresenta o maior índice de competitividade, excelente índice de sustentabilidade ambiental e um dos maiores PIBs per capita do mundo. Os Estados Unidos são o 18º, o Chile está em 20º (o melhor da América do Sul) e a Itália em 35º (será o efeito Berlusconi?). No final da lista vêm a Rússia, em 86º, a Argentina, em 92º, e Bangladesh, em 133º (o último). Desde a criação do ranking, o Brasil ocupa o bloco intermediário, que inclui o México, a África do Sul e a República Tcheca.
A corrupção está nos pequenos e grandes assuntos de Pindorama: faz parte do cenário. Corrompemos guardas de trânsito e juízes, subtraímos pequenos e grandes valores. Jornais e revistas vez por outra registram megaesquemas, aqueles capazes de assombrar a massa inerte de leitores. Porém, esses casos constituem a ponta de um enorme iceberg. Abaixo da linha-d’água estão milhares de pequenos desvios: é a corrupção “municipalizada”, movida por pequenos larápios que se dedicam a artimanhas de variadas pretensões. Tomados em conjunto, formam o grupo “C” do princípio de Pareto, mas um “C” robusto, capaz de somar valores vultosos. Além das cifras envolvidas, os pequenos larápios criam um clima adverso para os negócios e impedem que questões sociais sejam enfrentadas.
O roteiro é conhecido. Primeiro, o uso do carro oficial para ir ao dentista. Pouco importa se o notável tem consultório a 500 quilômetros de distância. Então aparecem pequenas “oportunidades” em licitações e a rede de interesses começa a ser articulada. Surge uma concessão de tevê e o esquema ganha corpo. A nanica imprensa local não gostou? Uma ou duas alocações de verba publicitária e presto! Tudo é resolvido. Aos poucos, o esquema vai produzindo resultados: o patrimônio cresce a taxas exponenciais e, como por encanto, abrolha uma simpática propriedade com vista para o Atlântico. Afinal, é preciso garantir o futuro da próxima geração.
Além das capitais, longe da vigilância da imprensa, os pequenos larápios reinam. Sem freios, eles forjam orçamentos, mudam leis, trocam dívidas por apartamentos, fraudam licitações e desviam repasses. No interior de Pindorama, vilarejos e até cidades de porte médio tornam-se reféns. Pequenos municípios tomados pelos pequenos larápios não avançam contra os problemas culturais e sociais. Algumas vezes, até aceleram em sentido contrário, destruindo o pouco que construíram.
Pego em flagrante, o pequeno larápio afasta-se, para “facilitar as investigações”, uma autoridade local constitui “comitê independente de investigação” e o circo programa alguns dias de espetáculo. Seguem-se declarações de efeito, bloqueios e desbloqueios de bens, golpes e contragolpes, liminares e habeas corpus, escutas e mais denúncias. Shows de grande impacto permanecem algum tempo na mídia. Shows menores são restritos aos cantos de página e saem rapidamente de cartaz. Em pouco tempo, o velho esquema volta a agir, ou um novo toma seu lugar.
Além do ranking, a Transparência Internacional também divulgou o primeiro Barômetro Global de Corrupção, uma pesquisa que envolveu dezenas de países de todos os continentes. O Barômetro mediu atitudes e expectativas sobre os níveis futuros de corrupção. Uma das perguntas-chave da pesquisa era a seguinte: se os cidadãos tivessem uma “varinha mágica”, capaz de eliminar a corrupção, onde eles mais gostariam de utilizá-la? Responderam à sensível questão mais de 30 mil pessoas de 44 países. Significativamente, os partidos políticos foram os “eleitos” em 33 dos países pesquisados. Os porcentuais foram especialmente altos na Argentina e no Japão.
Segundo Peter Eigen, chairperson da Transparência Internacional, os cidadãos estão enviando uma mensagem clara aos líderes políticos: é preciso reconstruir a credibilidade e a confiança. É tempo de reconhecer a extensão da corrupção entre as elites políticas tanto no mundo desenvolvido como no mundo em desenvolvimento, tratar convenientemente os conflitos de interesse e reduzir a imunidade política.
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