terça-feira, 22 de março de 2011

MAQUIAGEM ÉTICA


A cada novo escândalo corporativo, a questão da ética empresarial volta à tona, para reverter velhos vícios é preciso ir além da superfície


Sugerem os céticos que há três razões para as empresas adotarem códigos de ética: primeiro, ordens da matriz; segundo, mostrar para o público externo; terceiro, mostrar para o público interno. Ética empresarial, como outras modas corporativas, vive aos soluços. Nos anos 80, os escândalos de Wall Street provocaram uma primeira onda. Resultado: discursos positivos e cursos, programas e códigos de ética. Passados alguns anos, a dose parecia ter sido adequada. Porém, quando o bom-mocismo celebrava vitória, eis que ressurge o monstro: Enron, Tyco, Global Crossing e, mais recentemente, a Parmalat.

A crer nas iniciativas existentes, executivos preferem pensar em ética em termos de certo e errado, bom e mau. Ocorre que a vida corporativa, como a vida pública, é cheia de meios-tons. O discurso de cores primárias serve ao espaço reduzido das manchetes de jornal, porém leva apenas a declarações de ocasião e ações de fachada. Mas será que princípios éticos podem de fato ajudar? A resposta é sim, mas é preciso ir além da superfície.

Em um artigo inédito – “Managing to be ethical: debunking five business ethics myths” –, Linda K. Treviño e Michel E. Brown, da Pennsylvania State University, identificam e analisam mitos sobre o tema. O primeiro é que é simples ser ético: “Se cheira mal, afaste-se!”, insinua a frase de efeito. O problema com essa sugestão é que desconsidera a complexidade que envolve as decisões empresariais. Questões éticas são comumente ambíguas e dependem do processo de tomada de decisão: análises que focam os impactos da decisão podem gerar diferentes decisões de análises que se fundamentam em princípios de justiça e direito. 

Além disso, não se pode assumir que os indivíduos sabem o que fazer diante de um dilema ético. Aliás, muitos nem sequer reconhecem dilemas éticos. A capacidade de tomar decisões éticas é aprendida da infância à vida adulta. Nos primeiros estágios, os indivíduos tomam decisões com base em prêmios e punições. Somente nos estágios finais eles conseguem relacionar suas decisões com uma visão mais ampla das normas sociais e, finalmente, ser guiados por princípios de justiça. Treviño e Brown observam que apenas 20% dos indivíduos chegam a esse último estágio. Dedução direta: os demais precisam ser guiados. Finalmente, mesmo quando a decisão correta é tomada, há dificuldades para implementação. Em suma, dizer que ser ético é simples é o primeiro passo para gerar ações de fachada.

O segundo mito é que comportamentos não éticos resultam somente da existência de “maçãs podres”. Portanto, basta removê-las. É claro que todos os sistemas têm desviantes, mas a maioria dos indivíduos age conforme as práticas vigentes. Remover as “maçãs podres” pode ser um ato simbólico, porém tem efeito limitado. 


O terceiro mito é que um nível ético de gestão pode ser atingido por meio de códigos e programas. Treviño e Brown lembram que a formalização não é garantia para o sucesso. Se as ambigüidades próprias da atividade empresarial não forem identificadas e tratadas, o resultado pode ser a convivência de um discurso limpo com práticas sujas: pura hipocrisia. 

O quarto mito é que a liderança ética relaciona-se basicamente à integridade dos executivos. Integridade é um bom ponto de partida, mas não é suficiente para tornar um executivo em um líder ético. Na maioria das organizações, os funcionários não têm contato direto com o presidente e os diretores. Portanto, é preciso unir exemplos e ações de indução. Discurso sem ação gera cinismo; a ausência dos dois é ainda pior: leva ao vale-tudo.

Empresas são entidades transitórias: nascem, crescem e definham até desaparecer, ou ser tragadas por outras mais eficientes ou predatórias. Mas isso não diminui o impacto da queda abrupta. Desastres como os citados no início desta coluna destroem carreiras, empobrecem investidores, abalam comunidades e colocam em xeque o próprio sistema. Diante de problemas complexos, executivos tendem a procurar soluções rápidas e ineficientes. Porém, enfrentar dilemas éticos não é tarefa trivial. É preciso entender o “amálgama cultural” e enfrentar os dilemas e as contradições. Além disso, enfrentar estados avançados de putrefação ética exige estômago forte e, eventualmente, cirurgias radicais. Fazer a coisa certa não é óbvio nem indolor. 
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