NELSON FONSECA LEITE
O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/03/11
Sempre que acontece alguma coisa negativa na Argentina, ainda nos lembramos do chamado efeito Orloff e nos perguntamos se amanhã não poderá ocorrer a mesma coisa por aqui.
O setor elétrico da Argentina passa por uma crise muito séria. Segundo o jornal Clarín, de 24/12/10, "os cortes de fornecimento voltaram a afetar milhares de usuários na região metropolitana de Buenos Aires e as pessoas saíram para protestar pelas ruas". Uma onda de calor, com as temperaturas atingindo os 35,2°C, provocou aumento da carga e as redes elétricas de distribuição, que não foram ampliadas nos últimos anos, entraram em sobrecarga.
Em outra edição, de 30/12/10, o mesmo jornal reporta: "Cortes de luz: o governo fala de falta de manutenção. O governo reconhece que não se investiu para manter o sistema".
Todos sabem que as empresas de energia elétrica da Argentina reduziram seus investimentos nas redes em virtude de uma política tarifária equivocada, que reduziu drasticamente o fluxo de caixa das distribuidoras.
É notório que a falta de uma remuneração adequada para os investidores impede as empresas de fazerem as necessárias expansões e reformas das redes.
Essa é uma bomba de efeito retardado. As consequências aparecem alguns anos depois, dependendo da taxa de crescimento do mercado e da margem de segurança do sistema existente. A bondade no curto prazo pode ser uma tragédia a médio e longo prazos. A prática de tarifas artificialmente baixas resulta na inviabilização dos investimentos, piorando a qualidade dos serviços.
A pergunta que cabe voltar a fazer: será que o Brasil repetirá a Argentina amanhã? A meu ver, a resposta, felizmente, é não. Explico os motivos:
O arcabouço legal que dá sustentação ao modelo do setor de distribuição de energia elétrica no Brasil está centrado em contratos de concessão, cujo núcleo essencial é a política tarifária baseada no serviço pelo preço e na chamada regulação por incentivos.
O regulador desse serviço no Brasil, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), é um órgão de Estado e não de governo, com independência para garantir a estabilidade regulatória necessária à sustentabilidade do setor.
Conforme previsto nos contratos de concessão, a cada 4 ou 5 anos, dependendo do contrato, o regulador promove a revisão das tarifas, respeitando o equilíbrio econômico-financeiro firmado e promovendo a modicidade das tarifas para os consumidores. Isso é garantido pela regulação por incentivos: o concessionário é estimulado a obter ganhos de produtividade nos anos entre revisões tarifárias e esses ganhos são compartilhados com os consumidores nas revisões. Concessionárias com ganhos de produtividade inferiores à média do segmento são penalizadas; as de desempenho superior se beneficiam e são estimuladas a obter mais ganhos. Peculiaridades das diversas áreas de concessão são devidamente consideradas nessas comparações de custos reais e desejáveis (ou "custos regulatórios").
Exatamente nesse momento, o Setor de Distribuição de Energia Elétrica do Brasil, por meio da Audiência Pública 040/2010, discute com o regulador as regras para o terceiro ciclo de revisões tarifárias.
A obediência às leis e aos contratos firmados, princípio básico que norteia a atuação da Aneel, será um norte à atuação daquela agência na análise das propostas apresentadas.
O setor de distribuição acredita que a redução na capacidade de investimento, comprometendo as necessidades de expansão do sistema elétrico e a melhoria da qualidade dos serviços, não ocorrerá no Brasil.
Acredita ainda que a manutenção da estabilidade regulatória é fundamental para a sustentabilidade do setor, possibilitando o consequente fornecimento de infraestrutura necessária ao crescimento econômico do País.
Portanto, pelos motivos aqui apresentados, amanhã não seremos como a Argentina. O efeito Orloff, felizmente, está se tornando coisa do passado.
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS DISTRIBUIDORES DE ENERGIA ELÉTRICA (ABRADEE)
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