domingo, 20 de março de 2011

Não culpe os CEOs por seus salários astronômicos

Por Jack Welch com Suzy Welch
Exame.com.br

O que você acha dos pacotes rescisórios pagos a presidentes que, no fim das contas, fracassaram em sua missão? São valores tão generosos que chegam a ser obscenos. Como pequeno acionista e profissional que se mata de trabalhar em troca de um salário razoável, fico furioso com esse tipo de coisa. (Anônimo, Miami, Flórida)

Saiba que você não está só. Certifique-se, porém, de que sua ira esteja voltada para a direção correta -- seu alvo talvez não deva ser o presidente de empresa beneficiado com um farto pacote rescisório. Quando lhe ofereceram aquela soma polpuda, ele se limitou simplesmente a aceitá-la agradecido. Será que foi ganancioso? Pode ser. Porém, na maior parte das vezes, o executivo não passa de beneficiário de uma dinâmica comum e preocupante que começa na sala do conselho de administração. O que nos remete à verdadeira culpada: a alta direção da empresa. É quem está por trás de vários pacotes escandalosos. E por um motivo muito simples: ela não tem idéia de como planejar a sucessão. Uma coisa está intimamente ligada à outra. Sabe por quê? Vários desses pacotes obscenos que tanto o incomodam não foram inventados na hora em que aquele presidente inábil foi demitido. Foram criados muito antes, no momento em que o conselho decidiu contratar um executivo de fora da empresa porque não soube cultivar talentos internamente no decorrer dos anos.

Promover um profissional da casa a presidente não sai barato. O executivo típico escolhido para exercer uma função dessa magnitude recebe um aumento de salário substancial, gratificações gordas atreladas ao desempenho, uma porção de novas regalias e uma sala maior. Mas o negócio fica mais caro ainda no momento em que a empresa se vê obrigada a recorrer a um salvador da pátria que a salve de si mesma. Esse indivíduo recebe em igual medida tudo o que é concedido ao profissional da casa -- além da garantia de um grande prêmio de consolação se falhar. Na verdade, essa última parte do acordo é o que, normalmente, garante o seu cumprimento. Sem essa retaguarda, nenhum estranho se aventuraria a assumir um cargo com tamanho grau de risco.

É claro que nem sempre toda essa confusão em torno de valores rescisórios está necessariamente relacionada a um presidente de fora. Às vezes, um executivo escolhido internamente não dá certo e é mandado embora com mais dinheiro do que aparentemente mereceria. Isso também é irritante, mas a dinâmica a que estamos nos referindo aqui é outra. Começa quando o conselho precisa de um novo CEO e, olhando dentro da própria casa, percebe que se esqueceu de se preparar para esse momento. Recorre então a um headhunter, cuja avidez para preencher o vácuo existente só perde para o nível de pânico que tomou conta do conselho. A dinâmica se completa quando se identifica um candidato aparentemente perfeito -- em geral um profissional que tem um emprego maravilhoso e seguro, e que não pensa em abrir mão dele. A menos, é claro, que lhe proponham um negócio irrecusável.

Foi precisamente o que ocorreu com a Hewlett-Packard. Em 1999, quando o conselho decidiu trocar seu presidente, a falta de candidatos internos fez com que os headhunters saíssem em polvorosa pelos Estados Unidos em busca de alguém para o cargo. Não tardou muito, descobriram Carly Fiorina, profissional de sucesso da Lucent Technologies. Sua contratação se deu em meio a grande euforia. Ela foi arrancada de uma posição confortável por uma oferta -- nem é preciso dizer -- impossível de recusar.

Mas, como é de conhecimento geral, não faltaram discordâncias entre os membros do conselho nos seis anos de Carly à frente da HP. Tanto é assim que, quando ela foi demitida, imaginava-se que seu prêmio de adeus seria modesto. Não foi. Pagaram-lhe cerca de 40 milhões de dólares, o que deflagrou uma onda de protestos ruidosos, principalmente contra Carly. Mas e quanto ao conselho da HP? Sem dúvida foram seus membros que negociaram a bolada de rescisão -- e o fizeram no momento em que ela entrava na empresa ao som de trombetas, e não quando saiu batendo a porta. O que ocorreu com a HP não é de forma alguma um fato único, embora não faltem finais felizes. Exemplo disso é o caso de Edward D. Breen, da Tyco. Em 2002, a Tyco foi atingida por um escândalo contábil desastroso que culminou com a saída do presidente da empresa. Uma vez mais, o conselho recorreu aos headhunters, que prontamente descobriram Breen, um respeitado executivo da Motorola. Breen, porém, não estava disposto a abrir mão de uma carreira próspera numa empresa sem máculas para pôr ordem no caos que reinava na Tyco em troca de um acordo qualquer. Não é de admirar que o conselho da Tyco tenha sentido a obrigação de formular uma nova proposta com um caminhão de dinheiro em caso de rescisão. É claro que esse pacote trazia atrelado um componente significativo de desempenho. Mas, para que compensasse para Breen, ele trazia também inúmeras cláusulas de proteção se as coisas não saíssem conforme o esperado. Felizmente, Breen tem feito um ótimo trabalho na Tyco, portanto os termos de seu pacote rescisório não despertam descontentamento algum.

"Pacotes generosos pagos na saída a presidentes que não deram certo colocam em xeque o sistema capitalista"

Voltando à sua pergunta a respeito de pacotes rescisórios obscenos: não há dúvida de que são lamentáveis. Contudo, não se deve culpar apenas os presidentes que os depositam em sua conta. Em muitos casos, esses profissionais foram recrutados para funções que comportavam riscos e cujos termos de trabalho haviam sido formulados pela parte contratante. Em primeiro lugar, é uma lástima que eles tenham sido comprados dessa forma. É lamentável também que os conselhos não tenham devotado energia suficiente para preparar candidatos internos. Na verdade, só há uma obrigação mais importante do que essa: assessorar o CEO atual e lhe dar todo o apoio. Infelizmente, esse problema só tende a piorar, uma vez que a Lei Sarbanes-Oxley fez com que muitos conselhos mergulhassem em um torvelinho frenético de atividades de microgestão que fogem de seu campo de ação. Há hoje muitos conselhos mais preocupados com minúcias contábeis do que com o desenvolvimento de pessoal, incluindo-se aí o planejamento da sucessão. Que situação! Não cabe ao conselho fazer o trabalho da administração. Sua função é garantir apenas que a gestão atual, e futura, seja a melhor possível. Concordo, portanto, com você. Não posso culpá-lo por sua revolta. Os pacotes rescisórios absurdamente generosos pagos a presidentes que não deram certo colocam em xeque todo o sistema capitalista. Caso você esteja realmente disposto a levar adiante sua irritação, certifique-se primeiro de que o executivo em questão tenha sido recrutado fora da empresa. Em seguida, mire corretamente, e direcione suas críticas para o alvo certo -- não para o alvo mais fácil. 
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