quinta-feira, 24 de março de 2011

NO REINO DA FANTASIA


Ao Norte e ao Sul, no governo e nas empresas, por razões substantivas ou espúrias, as teorias conspiratórias continuam populares


Aqui na terra somos pródigos em delírios conspiratórios. No fim de 2002, The Economist dedicou ao tema irônicas laudas. Começando com questões sensíveis. Quem planejou o ataque às torres do World Trade Center? O serviço secreto de Israel, para jogar os americanos contra os árabes. Ou talvez Al-Gur, segundo um egípcio entrevistado pela revista. Não, não se trata de uma variante da temida Al-Qaeda, mas do ex-vice-presidente americano, revoltado por ter perdido a eleição para George Bush. Quem foram os responsáveis pelo massacre de milhares de muçulmanos desarmados em Srebrenica, em 1995? Milicianos sérvios? Não! De acordo com Slobodan Milosevic, o hediondo crime foi obra do serviço secreto francês. E o assassinato de John F. Kennedy? Segundo pesquisa do início dos anos 90, 73% dos americanos ainda acreditavam que foi fruto de uma conspiração. Fato ou ficção, as teorias conspiratórias movimentam sites na internet, livros e filmes.
Crer em conspirações não é necessariamente tolice. Algumas conspirações são bem reais. Em vastas regiões do planeta, quiçá na maior parte, governos são postos e depostos por golpes, e conspirar é a única forma conhecida de fazer política. 
Reais ou imaginárias, as teorias conspiratórias explicam o mundo, são fáceis de entender, têm apelo dramático e são quase impossíveis de negar. Afinal, qualquer explicação contrária pode ser considerada parte da conspiração. Porém, enxergar conspirações por toda parte pode ser fruto de paranóia ou de mentalidade simplória, ou ambos. Além disso, o “conspiracionismo” per se pode trazer prejuízos: mina a confiança e pode levar a erros de julgamento e tragédias de proporções aterradoras. 

Um caso sempre em foco são Os Protocolos dos Sábios do Sião, um suposto plano sionista para dominar o mundo. Hoje disponíveis na internet, os protocolos circularam décadas em cópias clandestinas. O documento original foi forjado, supõe-se, durante o caso Dreyfus, por um comandante da polícia secreta russa baseado em Paris. No início do século XX, novas versões surgiram na Rússia, sendo trazidas posteriormente para a Europa por fugitivos da Revolução de Outubro. Na Inglaterra, em 1920, o Times acreditou na trama e deu grande destaque ao documento. Um ano mais tarde, o próprio jornal revelou a farsa. Ainda nos anos 20, os protocolos chegaram aos Estados Unidos: The Dearborn Independent, jornal extremista de Henry Ford, chegou a editar um livro com o conteúdo dos protocolos. Tiragem: 500 mil exemplares! Em 1927, Ford negou responsabilidade sobre o conteúdo e tentou fazer um recall, tirando o livro de circulação. 

E as empresas? Seriam menos propícias às teorias conspiratórias? As fraudes ocorridas em anos recentes provam o contrário. E, além dos casos extremos, fusões, aquisições e reestruturações também fomentam conspirações e teorias conspiratórias. Grandes movimentos são sempre precedidos por irremediável paralisia: no vácuo de atividades e informações, multiplicam-se tramas reais e fictícias. Grandes empresas e grandes empresários parecem sempre envoltos numa nuvem densa e opaca. Muda o cenário, mudam as instituições, mudam as táticas, mas a essência conspiratória está sempre lá. 
O que fazem as teorias conspiratórias populares também nas organizações? O primeiro fator a considerar é que a vida corporativa é um grande campo de batalha política, com barganhas e conchavos, no qual a racionalidade é limitada e o espaço para a manipulação infinito. Portanto, pântano fértil para tramas. O segundo fator é o culto à paranóia que impera em muitas empresas. Já não bastasse a instabilidade e a incerteza reais, seus líderes cultivam a neurose. Nas organizações paranóicas, qualquer sombra pode ser ameaça e qualquer boato, conspiração. O terceiro fator é prosaico: as tramas e as conspirações fazem parte do teatro organizacional. De alguma forma, ajudam a enfrentar o tédio da vida corporativa. Reflexo do estado das coisas, nunca tantos profissionais procuraram alternativas à tradicional carreira na empresa. Cansaram da rotina, da falta de perspectiva e dos jogos de poder pouco éticos. Os que ficam continuam entregando-se com vigor a arranjos conspiratórios e tramas rocambolescas. E o mundo segue em órbita como o lavrador com sua charrua lavra a terra. 
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