WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO
O direito não assegura às nações economicamente mais fracas a compensação de suas insuficiências
A GLOBALIZAÇÃO, fenômeno econômico e político que marcou a história dos últimos decênios do século passado até o presente, mostra seu resultado com a uniformização planetária das relações internacionais.
O caráter mundial, quando definido em tratados, não faz com que conjuntos do interesse de grupos de nações tenham muito a ver com os caminhos isolados de cada um de seus componentes. De certo modo, pode-se dizer que se trata de uma variável do chamado globalismo, teoria segundo a qual o conjunto integrado e composto tem propriedades não necessariamente encontradas em seus componentes.
A distinção está presente na globalização, em modos e efeitos destinados a facilitar o fluxo dos interesses hegemônicos, sem assegurar a liberdade de negociação e o equilíbrio entre os envolvidos. Ou seja, as qualificações de cada nação, encontradas nos grupos formais ou informais, não correspondem às qualificações do todo.
O direito não propicia meios que assegurem às nações econômica ou militarmente mais fracas a compensação de suas insuficiências. Ao contrário: as ideias essenciais absorvidas por países ou grupos economicamente dominantes têm predominado nas políticas destinadas a tornar a globalização cada vez mais estruturada para seus fins, em acordos, tratados e contratos.
É o que se vê nas pressões para a limitação dos gastos públicos e na eliminação de restrições à ação das instituições financeiras internacionais, na busca da liberalização do comércio exterior até eliminar restrições que dificultem o investimento estrangeiro. Assim se explica a dificuldade da plena aplicação do art. 172 da Constituição, pelo qual "a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro".
Para garantir os investimentos, os organismos internacionais de financiamento externo passaram a incluir nos seus contratos disposições mais restritivas aos recebedores de empréstimos. Tornaram-se de cumprimento obrigatório nos países recebedores do financiamento aos quais foram impostas. O que antes era orientação técnica passou a contratualmente vinculante com suas sanções.
É frequente verificar que a economia de mercado acaba por assumir o mesmo caráter contratual, criando normas para o favorecimento das nações mais ricas. O Brasil é exemplo dessa constatação, sob duplo aspecto. Nossa Constituição define a primazia do grupo latino-americano (art. 4º, parágrafo único), mas nem sempre atua em harmonia com cada segmento do grupo. Tem acontecido de nosso país, ao negociar com nações mais pobres, impor-lhes restrições que evita em seus próprios contratos.
A constatação desse estado de coisas sofre com as insuficiências do direito internacional público, mas, passados os decênios da acolhida inicial, a globalização dá sinais de que deve ser reavaliada e modificada. O momento é bom quando se constata concorrência no nível dos muito poderosos.
Embora o Brasil de hoje pareça mais atento para as armadilhas da globalização, não há de permitir que as homenagens ao nosso acrescido papel na comunidade das nações impeça a atenção para os perigos da estrada. Há momentos da história em que é mais fácil superar as insuficiências. Cabe reconhecê-los para os aproveitar.
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