CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Estado de S.Paulo
O Banco Central (BC), conforme a Ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada na semana passada, escolheu o cenário mais otimista. Mas há aqui uma questão. Terá o BC sido convencido pelos números ou teria antes decidido ser otimista e, a partir daí, escolhido os números que coubessem?
Uma dúvida razoável. Tem implicações políticas. Ser otimista, no caso, e bem resumido, significa acreditar que a inflação vai cair sem a necessidade de uma alta mais forte da taxa básica de juros e sem um corte de gastos mais expressivo do governo. Segurar juros e ter espaço para gastar - eis algo que interessa a qualquer governo, muito especialmente ao de Dilma Rousseff.
O que leva a uma segunda questão: estaria o BC de Alexandre Tombini, seu presidente, mais alinhado com a política do governo, a ponto de sacrificar sua autonomia operacional?
O precedente recente do BC é negativo. Em junho do ano passado, quando a campanha presidencial esquentava, o BC interrompeu abruptamente um processo de alta de juros que havia sido anunciado e antecipado por seus próprios documentos.
Na ocasião, o então presidente do BC, Henrique Meirelles, alinhou uma série de dados para sustentar a tese de que a economia brasileira já estava em forte desaceleração e que isso logo levaria à queda da inflação - sem a necessidade de mais altas na taxa básica de juros.
Nasceu daí um bom debate. Poucos, pelo menos em público, levantaram a hipótese de que a atitude do BC havia sido eleitoral - não elevar a taxa básica num momento em que o candidato da oposição, José Serra, tinha no ataque aos juros um dos motes de sua campanha. Dado o excelente retrospecto de Meirelles, a maioria dos analistas procurou o debate técnico.
(Abertura: este colunista levantou a hipótese eleitoral em dois artigos, aqui neste espaço, em 26/7/10 e 2/8/10. Podem ser lidos em www.sardenberg.com.br, no item Política Econômica.)
Algumas consultorias e departamentos econômicos de bancos se alinharam inteiramente com o BC. Uma delas escreveu, em 10/8/10: "Qualquer que seja a decisão do Copom em 1/9/10 - derradeiro aumento da Selic ou nada -, avaliamos que a chance de a conjuntura vir a demandar outra rodada de ajuste significativo na política monetária em 2011 claramente não prepondera. Há vários fatores - como os efeitos defasados do aperto monetário; o efeito contracionista, na margem, da política fiscal; e o reajuste real baixo que se prevê para o salário mínimo em 2011 - que sugerem ser reduzido o risco de a atividade econômica vir a se reaquecer a ponto de colocar em risco o controle da inflação".
Naquela reunião citada, o Copom aumentou os juros em meio ponto porcentual, para 10,75% ao ano, e indicou que o ciclo de alta estava encerrado. Até julho, acreditava-se, inclusive no próprio BC, que a taxa precisaria subir a 12% para conter o surto inflacionário.
O que aconteceu? A economia brasileira de fato estava desacelerando, mas um caminhão de outros fatores indicava que o aquecimento do consumo continuava forte - como a farra de gastos do governo e de concessão de crédito via bancos públicos - e que a inflação se espalhava, não sendo "apenas" uma circunstância ocasional dos preços exagerados de alimentos.
Ou seja, a visão do BC e de seus aliados, depois de junho, estava equivocada. Era torcida. Estava certa a visão vigente anteriormente, que alertava para o grave descompasso entre consumo maior e produção menor. A inflação fechou 2010 na casa - elevada - dos 6%, continua rodando nesse ritmo e, só pelo embalo, deve subir ainda mais, podendo ultrapassar o teto da margem de tolerância, que é de 6,5% (a meta central é de 4,5%).
Em dezembro, esse mesmo BC, ante a inflação escancaradamente em alta e disseminada, disse que os juros precisariam subir de novo - o que começou a ser feito na primeira reunião do Copom da era Dilma, em janeiro último.
Depois de duas altas, a taxa básica está em 11,75%. E a situação se repete. No mercado, o consenso indica que essa taxa deveria subir para 12,5%, de modo a trazer a inflação para perto da meta só em 2012. E isso se o governo de fato contiver os seus gastos e reduzir os repasses a bancos oficiais, especialmente o BNDES. Ou seja, um cenário com muitas dúvidas.
Pois o que diz agora o BC? Que, de fato, a inflação vai ficar alta na maior parte deste ano, na casa dos 6%, mas que começa a cair no último trimestre, segue caindo em 2012, chegando na meta (os 4,5%, anualizados) apenas no finalzinho desse próximo ano. Isso sem precisar do aperto maior nos juros e confiando que o corte de gastos já anunciado e o ajuste comedido do salário mínimo são suficientes para barrar a "farra fiscal".
Não é mesmo uma argumentação parecida com a de julho passado? É bem otimista por isso. Acredita que o melhor vai acontecer assim, na manha. Mas hoje é maior a possibilidade de que o governo não cumpra a meta de corte de gastos e que continue estimulando os empréstimos dos bancos públicos. E já está contratado um aumento de 14% para o mínimo em janeiro do ano que vem.
Tudo considerado, o BC está nos dizendo que podemos conviver com dois anos seguidos de inflação a 6% (ou mais) e isso numa economia ainda com muita indexação formal e informal.
Está prevalecendo a tese Mantega: um pouco de inflação não faz mal; vamos crescer, que tudo se ajeita no final. Como em julho do ano passado. E se você é assalariado, anote: qualquer reajuste menor que 6% é perda de dinheiro, inclusive na Tabela do Imposto de Renda.
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