Clóvis Rossi
FOLHA DE S. PAULO
Lisa Anderson, presidente da Universidade Americana no Cairo, aponta, em texto para o Instituto Carnegie para a Paz Mundial, três características comuns às rebeliões que acontecem no mundo árabe: espontaneidade, uma juventude economicamente frustrada e uma gerontocracia no poder.
As duas primeiras características estão também presentes em Portugal, no movimento autobatizado de "geração à rasca" (em apuros), o que parece indicar um ambiente de mal-estar mais disseminado.
"Geração à rasca" significa precisamente uma juventude economicamente frustrada. Conseguiu convocar, em movimento espontâneo, via Facebook e Twitter, cerca de 300 mil pessoas para uma manifestação no centro de Lisboa, faz duas semanas.
A agenda é semelhante à dos jovens árabes, com uma diferença -fundamental, de resto: não precisam pedir liberdade porque Portugal desfruta de toda a liberdade que a democracia é capaz de oferecer.
Que os jovens árabes se levantem contra a tirania é fácil de entender. Movimentos libertários, bem ou mal sucedidos, fazem parte da história. Que jovens portugueses também o façam, à margem dos canais tradicionais, é menos frequente e parece indicar algo mais profundo.
A espontaneidade desses movimentos mais a sua agenda central sugerem o entupimento dos canais tradicionais de mediação entre a sociedade e o Estado (partidos políticos, sindicatos e mesmo as ONGs, de surgimento mais recente).
Não é uma situação inédita. O movimento batizado de antiglobalização, relativamente antigo, já refletia a carência da política. A novidade agora é que também esse movimento está sendo marginalizado.
Oded Grajew, o idealizador do Fórum Social Mundial (FSM), uma espécie de coalizão das ONGs e movimentos sociais ditos antiglobalização, tem toda a razão em se queixar de que os jornalistas não damos a devida atenção ao FSM e seus desdobramentos.
Mas acho que se engana ao puxar para o guarda-chuva de sua criatura a origem das revoluções árabes.
Vale idêntica observação para o caso de Portugal, de que Oded nem tratou no seu artigo de ontem para a Folha, certamente porque o noticiário a respeito foi zero no Brasil.
O FSM tem um viés anticapitalista. Os jovens rebeldes pedem sua parte no bolo capitalista. Grupos anarquistas aproveitam eventos antiglobalização para quebrar vidros dos McDonald"s da vida. Os jovens árabes não queimaram uma só bandeira dos Estados Unidos, pela primeira vez na história de movimentos de massa na região.
O que há, nas ruas do Oriente Médio e de Lisboa, é uma massa ainda indecifrável.
Pelo menos em Portugal, "foi o grito de uma geração apolítica, que ignora os dirigentes do país, que pouco participa nas grandes pugnas eleitorais, que na maior parte dos casos nunca tinha postos os pés numa manifestação e que, em matéria de grandes ajuntamentos, frequenta quase exclusivamente os dos festivais de música de verão", escreve Nicolau Santos, diretor-adjunto do semanário "Expresso", melhor publicação portuguesa.
Posso estar completamente equivocado, mas tenho a sensação de que Nicolau está descrevendo uma fatia substancial da juventude não só de Portugal, mas de toda a Europa e do Oriente Médio e, por que não?, também do Brasil.
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