Jack e Suzy Welch
Exame.com.br
A estratégia usada para lidar com o furacão Katrina em Nova Orleans foi desastrosa. Que tipo de lição, do ponto de vista da empresa, pode-se tirar dos erros cometidos?
(Pergunta feita por um executivo da área de tecnologia da informação de uma empresa de Chicago)
O Katrina, é triste dizer, revelou-se uma tempestade perfeita no sentido de que tudo saiu errado ao mesmo tempo. O golpe da natureza foi devastador, e várias agências do governo que deveriam (e poderiam) ter ajudado fizeram muito pouco. Foi trágico, e tudo indica que as pessoas não pretendem deixar de punir os “autores” da crise desencadeada pelo Katrina no decorrer dos próximos anos.
A esta altura, porém, já se sabe que um dos alvos será a Agência Federal de Gestão de Situações de Emergência (Fema, na sigla em inglês) que, tecnicamente, tinha responsabilidade total pela resposta do governo. Como é de conhecimento geral, a Fema, perplexa, praticamente se desintegrou em meio a um caos burocrático em que ninguém queria assumir sua parte da culpa.
É fácil frustrar-se — ou deixar-se abater por um sentimento ainda pior — diante do desempenho da Fema após a passagem do Katrina. Contudo, a resposta da agência é, ao mesmo tempo, o exemplo perfeito de uma dinâmica organizacional bastante comum: em outras palavras, é o que acontece quando parte da empresa é relegada à orfandade — isto é, quando ela é negligenciada e retirada de cena.
No mundo dos negócios, as divisões, equipes ou departamentos relegados ao abandono são geralmente vendidos ou fechados. Em Nova Orleans, as conseqüências da orfandade foram muito mais trágicas.
A Fema era uma organização órfã, se é que um dia foi de fato uma organização digna desse nome. Durante décadas, não passou de uma entidade federal relativamente pequena e independente com uma missão clara: defender a vida e a propriedade durante desastres naturais. Nesse sentido, seu desempenho foi bastante satisfatório. Em 2003, porém, foi subordinada ao Departamento de Segurança da Pátria, uma entidade federal em franca expansão e com a missão explícita de defender os americanos em caso de desastres provocados pelo homem, isto é, de ataques terroristas.
Não há dúvida de que isso tirou muito de sua importância.
Os chefões da Segurança da Pátria estavam preocupados — e é compreensível que estivessem — com a explosão de bombas em trens, como se viu em Madri, com explosões no metrô, como as que ocorreram em Londres, sem falar de aviões arremessados contra prédios e da guerra química. Coisas, enfim, que tinham a ver com a vida e a morte. A Fema preocupava-se com o vento e a chuva, terremotos e furacões. Estava, portanto, a quilômetros de distância daquilo que era considerado crítico. Os órfãos, aliás, sempre estão.
No momento em que eles gritam pedindo ajuda, os líderes das missões críticas não demonstram pressa alguma. Na verdade, eles nem mesmo ouvem o apelo. Não sabemos ao certo, mas no caso da Katrina, parece que foi isso o que aconteceu.
A lição aqui para a empresa é a seguinte: nunca permita que os órfãos se desenvolvam por conta própria. Se uma equipe, departamento ou toda uma divisão parece distante da missão da empresa como um todo, interfira nela de tal modo que se aproxime mais da estratégia principal da organização, ou então, venda-a. Se deixarmos os órfãos à vontade, certamente algo de ruim acontecerá.
Basta pensar no que aconteceu à Frigidaire, a unidade de eletrodomésticos da General Motors que foi pioneira na indústria e manteve-se inabalável na preferência do mercado durante décadas. O segmento de eletrodomésticos não era de forma alguma um setor crítico para a GM — como, de resto, para qualquer montadora —, por isso mesmo a matriz nunca concedeu à Frigidaire o pessoal e os recursos de que ela necessitava. Quando foi vendida, em 1979, para a White Consolidated Industries, já havia perdido boa parte da participação de mercado que detinha e não era mais a líder competitiva que fora no passado.
Havia muitos órfãos na GM; a maior parte das grandes empresas os tem. Embora muito dinheiro e atenção fossem canalizados para os motores de alta potência, o negócio de pequenos motores era relegado a um estado de abandono pouco recomendável.
A GE teria perdido por completo o mercado florescente de motores a jato para linhas regionais se não fosse por um gerente sênior da empresa, que exigiu ser levado a sério. Ele provou como, e por que, os motores utilizados no novo negócio de linhas regionais a jato poderiam ser críticos para a GE. Por fim, a divisão acabou recebendo os recursos que merecia e de que precisava para crescer.
Essa história teve o final feliz, mas o fato é que as histórias de muitos órfãos da GE tiveram, no decorrer dos anos, tramas muito mais semelhantes à da Frigidaire.
Portanto, uma lição fundamental que o Katrina nos deixa é que temos de reaprender o tempo todo. Deixar que uma parte da organização continue órfã pode ter conseqüências amargas.
Não se trata, portanto, de perguntar “se” haverá conseqüências, e sim “quando” elas virão.
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