O Estado de S.Paulo
O voto do Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas a favor da designação de um relator especial para investigar as violações desses direitos no Irã foi rigorosamente coerente com o papel central que a presidente Dilma Rousseff confere à questão - sem distinção de países - no corpo da política externa brasileira. No governo Lula, o Itamaraty queria distância do assunto. O então chanceler Celso Amorim argumentava que as propostas de condenação de governos infratores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948, serviam a interesses políticos dos Estados Unidos e das potências ocidentais em geral. Afirmava também que eram inócuas: muito mais eficaz para a causa seria o diálogo discreto com os governos opressores, sem os expor à execração internacional.
A primeira alegação mal escondia a intenção de fustigar os EUA. Peça-chave da diplomacia lulista, o antiamericanismo - do tipo do "pragmatismo responsável" dos tempos da ditadura militar - aproximou o Brasil dos regimes autoritários do Oriente Médio, África e Ásia. O País conquistou a desonrosa distinção de ser a nação democrática mais propensa a abraçar ditadores e protoditadores de diferentes latitudes. Isso teve o efeito de perverter a nova projeção alcançada pelo Brasil como uma das quatro maiores economias emergentes do mundo. A segunda alegação é patentemente falsa. O Irã, por exemplo, não se tornou menos despótico por causa das presumíveis iniciativas brasileiras em favor desta ou daquela vítima singular das violências do governo de Mahmoud Ahmadinejad. É bom não esquecer, aliás, que Lula avalizou tacitamente a brutal repressão aos protestos contra a fraude eleitoral que deu ao seu amigo um segundo mandato em 2009, desqualificando-as como "choro de perdedor" e reduzindo os choques de rua no país a uma "rixa entre vascaínos e flamenguistas".
A crônica da confraternização brasileira com a teocracia de Teerã começou a mudar de rumo com a crítica aberta de Dilma, então presidente eleita, à decisão do Brasil de se abster de condenar, na Assembleia-Geral da ONU, a sentença de apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani. O apoio à criação de uma relatoria especial para o Irã no Conselho de Direitos Humanos vem na sequência. Anteontem, o Brasil foi um dos 22 países a respaldar o projeto copatrocinado pelos Estados Unidos e a Europa. Sete, entre os quais China, Rússia e Cuba, se opuseram, e 14 lavaram as mãos. Destes, a única democracia foi o Uruguai. A contar de 2001, o Brasil havia participado de 12 votações sobre o Irã. Absteve-se em 11. A exceção ocorreu no primeiro ano da era Lula, quando, numa comissão da ONU, o País endossou os relatórios do organismo apontando abusos de direitos humanos no país persa.
A chefe da representação no conselho sediado em Genebra, embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo, disse que o Brasil não votou "contra o Irã", mas "a favor do sistema de direitos humanos da ONU". Não foi bem isso o que Teerã entendeu. O delegado iraniano, Mohammad Reza Ghaebi, acusou o Brasil de se comportar "como um país pequeno que se curva aos interesses dos Estados Unidos". O seu colega argelino, Idriss Jazairy, disse que o novo governo de Brasília quis "agradar à opinião pública interna e ao Ocidente". E o embaixador paquistanês, Zamir Akram, falando em nome da Organização da Conferência Islâmica, lamentou a "mudança de visão" do Brasil. É do que se trata, efetivamente - embora não haja nada a lamentar nisso, muito ao contrário. A mudança consiste em dar a devida importância ao tema dos direitos humanos no plano multilateral, o "sistema" de que fala a diplomata Maria Nazareth, até para fortalecer as Nações Unidas.
Começou pelo Irã, mas, se depender do Brasil, qualquer governo que se recuse a cooperar com a instituição nessa esfera entrará na alça de mira. "O Brasil acredita que todos os países, sem exceção, têm desafios a superar na área", argumentou a embaixadora. No governo Lula, dessa premissa se seguia a conclusão cômoda de que, não sendo possível promover os direitos humanos em toda parte, melhor não fazê-lo em parte alguma. Era a justificativa para a omissão e a conivência. Isso agora parece página virada.
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