sábado, 19 de março de 2011

Fim da lua oval


RUY CASTRO
folha de são paulo 

RIO DE JANEIRO - A Shell comprou a Esso. Os empresários chamam isto de "merger", fusão. Na prática, uma empresa engole a outra, absorve seus nutrientes e dispõe de modo convencional do que sobrou. Com o tempo, não pode restar memória da que foi absorvida. Assim será com a Esso: em meses, sua marca, seu símbolo e sua bandeira serão evaporados de cena, inclusive no Brasil.
A Shell pode não saber, mas a Esso -tão demonizada no passado como um símbolo do imperialismo ianque que sugava o sangue das criancinhas do Nordeste- acabou incorporada à cultura brasileira.
Com ela, tivemos o "Repórter Esso", talvez nosso primeiro noticiário moderno e objetivo, que ia ao ar pela Rádio Nacional. Heron Domingues, seu locutor por 20 anos, era quase a voz do Brasil. Ao ouvi-lo anunciar uma "edição extraordinária", o país apurava as oiças. Por Heron soubemos da morte de Getulio Vargas e de Carmen Miranda, do incêndio da boate Vogue, da renúncia de Jânio Quadros.
Em "Paisagem Útil", de 1967, Caetano Veloso descreveu o então novo Parque do Flamengo, citando o "frio palmeiral de cimento", os automóveis "que pareciam voar" e a lua "oval, vermelha e azul", "uma lua oval da Esso", que flutuava no céu do Rio, iluminando os beijos dos "pobres tristes felizes corações amantes do nosso Brasil". Eu próprio subi ao prédio da lua oval naquele ano para receber um prêmio, o Esso de Literatura para Universitários, que me foi entregue por Eduardo Portella e me mandou para um curso em Coimbra, Portugal.
Mas a grande contribuição da Esso, além de vender gasolina e iluminar beijos, foi, claro, o Prêmio Esso de Jornalismo. Desde os anos 60, ele tem sido o selo de qualidade perseguido pelos profissionais brasileiros da reportagem e da fotografia. Sem a Esso, o que será do prêmio? Morrerá? A Shell o absorverá? Continuará com novo nome?
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