terça-feira, 22 de março de 2011

O Japão e o iene

JIM O'NEILL
O Estado de S.Paulo

Na sexta-feira, 18 de março, o G-7 demonstrou uma nova razão para sua existência pela primeira vez em anos. Num claro sinal de seu desejo de ajudar o Japão, as autoridades do G-7 anunciaram que interviriam para sustar a valorização do iene. Essa é a primeira vez que ocorre uma medida desse tipo em dez anos e, ao menos da perspectiva japonesa, é extremamente bem-vinda. Após a declaração, as autoridades japonesas intervieram e, como resultado, pelo menos por enquanto, o iene enfraqueceu.

Embora continue difícil avaliar com segurança a escala dos danos causados pelo terremoto e o tsunami que assolaram o Japão, é imperativo que a situação não seja mais agravada por desdobramentos injustificados do mercado financeiro. No início desta semana, o primeiro-ministro japonês descreveu a situação como o maior desafio que o país enfrenta desde a 2ª Guerra Mundial. Um comentário desses requer medidas corajosas, e a intervenção para conter a força do iene se justifica plenamente, a meu ver.

Evidentemente, a origem da força da moeda japonesa é, em grande medida, a acumulação de superávits em conta corrente no balanço de pagamentos na última década e, com isso, o acúmulo de enormes ativos estrangeiros. Embora o governo pareça ter um problema de dívida, o país como um todo não o tem. Por definição, o saldo em conta corrente é a diferença entre a poupança nacional e o investimento nacional, e os superávits em conta corrente do Japão ao longo de muitas décadas são reveladores.

No entanto, nos últimos anos, essa poupança nacional tornou-se cada vez mais dependente do setor corporativo, na medida em que diminuía a poupança das famílias. Apesar de muitos financistas continuarem estupefatos com as atividades da infame sra. Watanabe (apelido no Japão para donas-de-casa que fazem investimentos cambiais), a poupança acumulada está de fato encolhendo. Como já mencionei em ocasião anterior, jamais pensei que ainda estaria trabalhando quando a taxa de poupança familiar nos Estados Unidos superasse a do Japão, mas isso já está ocorrendo há mais de um ano. Aliás, as famílias americanas poupam hoje duas vezes mais que as japonesas e a dívida pública bruta americana é menos da metade. Não era assim que a coisa funcionava.

É fato conhecido que a população do Japão começou a declinar alguns anos atrás, e muitos especialistas calculam que até 2050 ela estará em torno de 100 milhões de pessoas ou menos, cerca de 25% menor do que hoje. Com o aumento da expectativa de vida, porém, isso significa que, a menos que os japoneses aceitem trabalhar além da idade normal de aposentadoria, haverá cada vez menos pessoas trabalhando para sustentar cada vez mais pessoas. Segundo um interessante artigo recente do jornal Financial Times, 20% dos japoneses com mais de 65 anos já estão trabalhando em empregos de tempo integral, supostamente quatro vezes mais que na Europa. Todos eles terão de trabalhar muito mais, especialmente no Japão, que terá ainda que aumentar a imigração e imaginar maneiras de encorajar os pais a produzirem mais filhos.

Esses problemas chamaram a atenção por muito tempo de diversas mentes no exterior para os dramas financeiros do Japão, incluindo diversos investidores altamente bem-sucedidos. Muitos têm histórias famosas sobre quanto perderam tentando vender a descoberto Bônus do Governo Japonês ou ienes, ou ambos (apostando no enfraquecimento dos ativos japoneses). Durante boa parte dos últimos 15 anos, nunca concordei realmente com essa visão, por três razões (embora, nos últimos dois anos, eu também tenha entrado nesse campo).

A primeira das três razões é a seguinte: foi verdade, e ainda é, que o Japão é um grande credor estrangeiro. Quando o Japão precisou de mais financiamentos por causa do terremoto de Kobe e suas consequências em meados dos anos 90, os mercados internacionais suportaram as consequências negativas quando investidores japoneses repatriaram ativos estrangeiros para ajudar a financiar necessidades domésticas imediatas maiores. Observando de maneira geral os mercados na sexta-feira, a situação sugeriu uma reprise parcial.

A segunda razão é que, apesar de a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) real do Japão ter sido modesta e sua tendência de crescimento fraca comparada à de muitos outros países, em razão de sua demografia, a riqueza individual no Japão não sofreu - isto é, o PIB per capita não encolheu. Isso foi verdade antes de o Japão começar a testemunhar a deflação, mas as evidências são agora mais matizadas. A terceira é que a taxa de poupança no Japão era relativamente alta, mas isso agora começou a mudar, especialmente desde a crise global do crédito em 2008 e da reconstrução da taxa de poupança familiar americana. Foi esse último ponto, na verdade, que me levou a mudar a minha visão estratégica sobre o Japão.

Muitos observadores têm ficado confusos com a relativa timidez do Banco do Japão (banco central) para tentar estimular o crescimento, conter a deflação e sustar a valorização aparentemente inexorável do iene. Embora se possa explicar por que o iene chegou ao ponto em que está levando em conta os ativos estrangeiros líquidos do Japão, por quaisquer outras fórmulas de estimação da taxa de câmbio de equilíbrio, o iene está muito caro. Isso é obviamente verdadeiro numa simples base de PPP (paridade de poder de compra), e nos dois últimos anos, o mesmo resultado também é produzido por modelos de taxa de câmbio real ajustada. Ironicamente, isso ocorre num modelo que eu criei há cerca de 15 anos para explicar por que o iene se comportou da forma como se comportou, e que hoje mostra a moeda japonesa com uma sobrevalorização de 30%.

No último ano, circulou um argumento muito válido, em termos políticos, de que o Banco do Japão resistiu a medidas para enfraquecer deliberadamente o iene tanto por temer provocar um sentimento empresarial anti-japonês nos Estados Unidos (que foi abundante no fim dos anos 80 e começo dos 90), e por um desejo de fortalecer o yuan chinês. O fato é que o iene se fortaleceu consideravelmente mais que o yuan desde a crise de crédito global. Há agora uma clara necessidade de ousadia para assegurar uma superação acelerada dessa situação trágica. Os acontecimentos certamente o exigem. Eu aplaudo a declaração do G-7 e a intervenção que vimos e que, muito provavelmente, veremos mais. 

 TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
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