terça-feira, 6 de abril de 2010

Águas de Março e o mea-culpa... a cada fim de verão.



Deparei-me com um post de uma atriz muito consciente e engajada  questionando de quem seria a culpa do algamento calamitoso no Rio de Janeiro. Ao ler os comentários a indefectível culpa do governo e seus representantes foram o ponto comum  em mais de quarenta imediatos posts de comentários. Havia um, muito discreto, que questionava acerca da responsabilidade do povo. Sim, ele, o povo. Sim, ele mesmo, a figura impoluta do imaginário popular e político sempre paciente das mazelas e vicissitudes da vida, no contexto sempre protetor e protetivo do Estado, na mais fina e pertinente cultura católica latina onde ele, o cidadão e o povo não têm vontades e precisa, sempre, ser guiado e acudido pelo Estado e Igreja. Mas quando é que o povo será o ator principal de todas as mazelas quando não catástrofes?

Relembro uma visita a São Paulo na época da cadete, na casa de um amigo hoje graduado comandante da TAM e ele me explicou que Maluf estava contratando empresas japonesas para limpar o Tietê. Presenciei de tudo sendo retirado pelas balsas-dragas. Outro evento deu-se na primeira enchente que atuei junto à CODECIPE, no canal do Borborema, em Boa Viagem, quando famílias ficaram flageladas devido a forte chuva. Ao acompanhar os trabalhos de recuperação vi de tudo sendo tirado do canal após ser lançado pelas comunidades ribeirinhas àquele canal, televisores, sofás, botijões de gás etc etc. Após muitos anos deparei-me com obras de calçamento do mesmo canal e meses atrás, não para meu espanto, vi os mesmos tipos de objetos boiando nas águas elevadas. Quanto ao Tietê, ano passado presenciei o mesmo tipo de limpeza que em 1978. O que mudou? Nada!! O que poderia ter mudado no comportamento do cidadão? Muito, principalmente avocar a si a responsabilidade do problema.

O progresso e o desenvolvimento social têm como primeiros sinais objetivos o aumento de volume de lixo urbano. É matemático e físico ao mesmo tempo. Aumentou-se o poder aquisitivo aumenta-se a quantidade de lixo a ser coletado. Bem, a ser coletado. Se fôssemos uma sociedade mais desenvolvida, poderíamos ter menos problemas, mas não somos. 

Postei artigos recentes dando conta da complexidade do aumento populacional das grandes cidades em países em desenvolvimento.. É o que esperamos que aconteça em função de promover desenvolvimento e bem-estar para o cidadão. Aliás, esta é a expectativa maior de qualquer sociedade civilizada. Contudo a questão do trato do lixo urbano vem sendo negligenciada por todos: politicos e nós eleitores, despreparados para viver a democracia plena. Esta requer muito mais envolvimento do cidadão além do simples ato de votar. Isto ainda não aprendemos e, a duras penas, vamos demorar muito a aprender.

Muito deste aglomerado urbano, em faixas (bolsões) marginais, advém de pessoas que fugiram de condições horríveis em suas regiões de origem, dentre elas o incipiente saneamento básico Mas o saneamento lá não chega em função de uma série de fatores. A surpresa é que todos eles advém do não-envolvimento do "politicamente- esclarecido". Perdoem-me a petulância do meu refinado francês mas de esclarecido o cidadão não tem "chongas". Balela pura, enganação "in natura". Não se sabe a complexidade de se administrar uma cidade grande. Tampouco se tem vontade de se envolver na administração participativa. É mais fácil ficar em casa, assistindo novelas e meter o pau no governo e governantes.

Não se pode culpar o governo, pois tem que se saber e conhecer que temos um limite de arrecadação que dificulta, via processos legais de licitação, uma ampliação das empresas de coleta e processamento de lixo. Temos que fiscalizar o catador de rua que detona os sacos recicláveis que os manés, que nem eu e minha família gastamos e, pacientemente, colocamos em recipientes específicos que são colocados nas calçadas para os "tadinhos dos pobrezinhos" dos catadores virem, detoram os plásticos, irem embora e o cheiro e os dejetos ficarem à deriva até que o lixeiro apareça. Fazer o quê? Ampliar a quantidade de lixeiros? de fiscais? e quem paga toda esta conta? Pois são funcionários públicos que se ingressarem em maior número no elenco de remuneração pública aumentarão o déficit público e a arrecadação.

Sim amigos, somos todos os culpados, por omissão, leniência e irresponsabilidade. Se os governantes são culpados no mínimos somos coadjuvantes na culpa por não fiscalizarmos e cobrarmos. Infelizmente já denunciei a ação dos catadores, em Brasília, no Rio e aqui. Mas estamos em época de eleição e eles são eleitores, não se espera que o "Estado" tenha uma ação mais contundente.

O certo, o objetivo é que o projeto sobre o processamento do lixo urbano demorou dezenove anosVejam bem: dezenove anos para ser votadoOnde estava o pacato cidadão neste tempo todo? Acho que nem a novela "o direito de nascer" demorou tanto tempo. O problema está mesmo em nosso DNA social. Perdemos uma excelente oportunidade para mobilzar a socieade como um todo. Foi durante a proposta simplória do Min do Meio-Ambiente em reduzir as emissões de CO2 via, principalmente, redução de atividade agrícola nas cercanias da amazônia, aquela faixa que nos impeliu no mundo da exportação via agronegócio. Do jeitinho que os "imperialistas"  americanos e europeus queriam e que o já senil ministro combatia durante sua juventude contestatória.

Nosso principal problema é que não aprendemos, ainda, a viver em coletividade e zelar pelo bem-comum. A nós não nos pertence esta dimensão de maturidade social. Somos lenientes com o coletivo e com a depredação da coisa e patrimônio público. Não sabemos viver a democracia com as responsabilidades de assumir a conservação do patrimônio coletivo e do bem-comum.

Enfim amigos, quando vejo "as águas de Março" chegarem anunciando o fim do verão vejo uma "crônica da morte anunciada. Ano após ano e  nada muda, a não ser a nova leva de cidadãos politicamente-consciente metendo o pau nos governantes.
______

8 comentários:

  1. TUDO ISSO AGRAVADO PELO NÚMERO EXCESSIVO DE HABITANTES NUMA ÁREA FÍSICA QUE NÃO SUPORTA MAIS TANTA GENTE.
    MUITOS ÓRGÃOS FEDERAIS E ESTADUAIS PODERIAM SER TRANSFERIDOS PARA OUTROS CENTROS A FIM DE AMENIZAR ESSE PROBLEMA.
    POR QUE TANTOS ÓRGÃOS MILITARES NO RJ? QUESTÃO DE SEGURANÇA? DO QUE?

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  2. Caro amigo, parabéns pelo lúcido e reflexivo artigo. Veio em boa hora já que como "carioca" que sou, especificamente de Niterói, estamos todos consternados com esta calamidade.
    Porém, e tem sempre um porém, me pergunto, como um povo mau educado, mau orientado, mau informado como o nosso - lembremos que somos todos terceiro mundistas- pode ter o necessário discernimento sobre seu papel na interdependencia do frágil sistema ecológico mundial? Não estou "coitadizando" o povo ou desmerecendo sua força e poder, mas vivemos na cultura do imediatismo e cada vez mais individualistas - leia A Cabeça do Eleitor, de Alberto Carlos Almeida e verá do que falo.
    Eu mesma, que penso e tento ser consciente, ando metro e metros a fio sem encontrar uma lata de lixo sequer para colocar meu papelzinho de picolé. Tento reciclar meu óleo de cozinha sem saber onde entregar. Idem para minhas pilhas, latas, etc. São Paulo não tem coleta de lixo regular em todos os lugares...
    Aí, te pergunto, alguém que compra ou invade uma área irregular, num local de risco, totalmente à margem dos serviços públicos -saneamento básico, coleta de lixo, etc, pode ter cidadania? Já morei em bairros assim na infância. O lixeiro passava ha cada 15 dias. Mamãe queimava o lixo. Então, o povo suja. É verdade. Muitos somos porcos e mau educados. É verdade. Mas, que o governo não assume seu papel de saneamento,ordenação do espaço urbano, educação e cidadania, é inconteste. Tudo isso entremeando incompetencia, omissão e corrupção, aí, deu no que deu.

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  3. Pior de tudo é que a conscientização quanto a manutenção de um meio ambiente saudável parece não estar apenas relacionado ao nível de escolaridade das pessoas. Acho que está mais ligado a outros valores... Pois já vi 'doutores' jogando lixo na rua e já vi pessoas com nível de escolaridade mínimo, mas conscientes e bem educadas quanto a este aspecto.

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  4. Amigo, você foi brilhante! Parabéns por conseguir tão bem traduzir em palavras algumas das faces da nossa cultura e do nosso jeito de ser (feias faces, infelizmente, mas temos que encará-las se queremos mudar!).

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  5. Parabéns pelo artigo. Concordo plenamente que enquanto não mudarmos a educação e consciência do cidadão, a tendência é piorar a terrível situação urbana. O caos é fruto do nosso descaso e egocentrismo. Será que estamos no início de "uma limpeza" no nosso planeta??? Talvez sobrevivam os mais conscientes para recomeçar um mundo melhor.
    Grande Abraço!

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  6. Caro, Amigo!
    Acompanho, aqui de longe, as suas lúcidas e bem escritas análises do nosso cotidiano e, ao vivenciar essa catástrofe que se abateu sobre nossa cidade, me animei em postar um comentário no seu blog.
    É incontestável tudo o que você fala. Concordo com todas as colocações. Lamentável ver que o tempo passa e os problemas só se avolumam.
    O Rio de Janeiro viu uma estória semelhante no final do ano em Angra dos Reis. São Paulo também teve cenas semelhantes em janeiro. Mesmo depois de toda essa angústia e sofrimento, o que se espera? Maior empenho das autoridades? Mais investimentos do governo? Mais consciência da população? Tudo isso poderia ser perfeitamente aplicado. Entretanto, sofremos de um problema crónico de amnésia. Esquecemos de cobrar das autoridades. Nos enganamos com as obras de fachada eleitoreiras. Deixamos que a correria do dia a dia nos impeça de exercer nossos direitos e DEVERES de cidadão. Pior, voltamos a nos comportar da mesma forma.
    É meu amigo... às vezes dá um desânimo...
    Abç
    Selma Ribeiro

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  7. Há dois dias, no meu local de trabalho observei um soldado e um servidor civil fumando. Claro que o fumo não é indicador do grau de desenvolvimento de um país. Mas o detalhe é que eu não vi nenhum cinzeiro, nenhuma lixeira por perto. Ao questioná-los, os dois fumantes, constrangidos (mas nem tanto), disseram-me que estavam recolhendo as cinzas em suas mãos!
    A atitude que presenciei me fez refletir: ainda falta muito para transpor a barreira e sermos realmente um país de primeiro mundo. Tenho fé que chegaremos lá, mas o caminho é árduo.
    Parabéns, meu amigo, pela brilhante matéria.

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  8. Londres - cidade de 1º mundo - anda sem lixeiras nas ruas... Triste filho fruto do trauma. Mas mesmo assim as ruas continuam absolutamente limpas (salvo por "pedras-moles e quentes" deixadas por alguns donos mal-educados de cães...). Educação: eis a palavra!Se investirmos nisso HOJE, teremos um futuro melhor.

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