segunda-feira, 12 de abril de 2010

Brasil, futebol, religião e desigualdade


Quando comecei a receber orientações de um capelão acerca de leituras sobre teologia, fui cuidadosamente orientado em livros e textos densos. Densos demais para minha juventude cartesiana de cadete, contudo, a curiosidade foi mais forte.

Na medida que avançava nas leituras ele me recomendava alguns livros de filosofia, como tinha aquela cadeira letiva ficou fácil dialogar com o professor.

Logo logo tive que me acudir com o professor de sociologia, que ficava feliz em poder discutir com um cadete as formações e as dinâmicas das sociedades ao invés de me pegar distraído preparando, mentalmente, a próxima missão de vôo que chamávamos de "vôo mental".

Tive que diminuir a intensidade desses estudos mas a curiosidade verteu nos anos seguintes. Quando, já formado, procurei ampliar meus estudos descobri que precisava fazer incursões na antropologia no intuito de entender a complexa relação dos homens entre si, díspar, dispersa e,  via de regra, conflitante. Entendi, então, que religião significava "religare", do latim. Religar o homem à sua dimensão espiritual onde a "religião" era um caminho, não um fim em si. Daí entendi o significado da tolerância. Antes disso entendi que "católico" significa universal, não de prevalência no mundo, mas de abrangência abraçando outras "religiões" com um mesmo fim: Harmonia e paz entre os Homens. Como este objetivo tem se mostrado complexo, quase inviável ao longo da história da humanidade, Deus prevalece em nossa zona de conforto para poder viabilizar, via fé, tal quase inatingível estágio.

Por paradoxal que seja ao estudar História, das sociedades e países, deparei-me com um fator em comum que levava as sociedades à conflitos entre si: A intolerância. E o veículo usado para alimentá-la, ao ponto de se gerar guerras era, exatamente, a religião.

Nossa chance de discutir caminhos e alternativas sociais, por intermédio destes eventos coletivos, nos foi subtraído, ainda no Império, por intermédio dos prepostos da Igreja Apostólica Romana e por membros da Política Imperial coalhada de representantes da Coroa Portuguesa. Ao raiar da República, a aproximação entre ambas se intensificou e passou-se a se estimular o paradigma que " assuntos de política e de religião não se discute,m cada um pensa de uma forma..." e, ao contrário dos países desenvolvidos, deixamos de conhecer e de discutir, publicamente o que aquelas Instituições faziam e que interferiam e interferem em nosso desenvolvimento.  Com o tempo adicionaram o futebol ao paradigma e ampliamos nossa distância da participação popular nas coisas públicas estimulando nossa omissão que vem, paulatinamente, dando seus catastróficos frutos.

Não esperemos que uma sociedade que tem uma enorme dificuldade em educar seus cidadãos possa ter condições de dirimir conflitos internos, independentemente do grau ou da intensidade. Neste particular, o evento descrito abaixo representa o como podemos ser dispersos e de difícil comunhão em torno do Bem Comum.

Esta é outra barreira que precisamos vencer para nos tornar-mos uma sociedade menos desigual.



No Brasil, Futebol é Religião

Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.


A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.

Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno, ou se Deus é a favor ou contra à prática do homossexualismo, ou mesmo se você trem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.

O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixam de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.

Mas quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproxima os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.

Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina – ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.

Ed René Kivitz, cristão
_______

2 comentários:

  1. Ainda sou a favor do dizer que "religião nos serve como uma muleta para caminhar", minimizando a dor e aumentando a capacidade de aceitarmos o inesplicável.

    ResponderExcluir
  2. Eu concordo plenamente com o autor. Realmente, "quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproxima os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião".

    Quando as pessoas perguntam qual a minha religião, fico sem saber ao certo o que responder porque sou católica 'oficialmente', mas não frequento regularmente às missas por discordar de algumas coisas dessa religião. Assim como discordo das idéias de muitas outras. Na verdade, nenhuma religião é perfeita porque todas elas foram criadas por seres imperfeitos. Prefiro dizer que sou cristã, assim como o autor acima, pois acredito nos princípios ensinados pelo Cristo e espiritualista [mais do que espírita] por acreditar nos valores espirituais (que também derivam do Cristianismo) aprendidos por meio de uma doutrina que me proporcionou enxergar a vida muito mais além do que os nossos olhos podem alcançar. Valores estes que me fizeram compreender e aceitar as inúmeras diferenças existentes entre as pessoas. Que me ensinaram o significado e a importância do RESPEITO por mim e pelos outros.

    "O Cristo não pediu muita coisa, não exigiu que as pessoas escalassem o Everest ou fizessem grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos
    amássemos uns aos outros." (Chico Xavier)

    ResponderExcluir

GEOMAPS


celulares

ClustMaps