segunda-feira, 19 de abril de 2010

O amor acaba aos 50

Eu nasci e hoje moro no Recife, mas amo Brasília de coração mesmo.
Quando eu cheguei para voar em Brasília, para ser um dos pilotos do Collor, eu chegava à noite do Rio ou de São Paulo e se via as luzes do plano pilto de longe, quando se voava a 350 mil pés em noite sem nuvens.
As cidades satélites eram separadas do plano por um breu intenso.
Hoje não se distingue entre as luzes nenhuma delas do plano, tudo é um enorme tapete de luzes.
Da mesma forma o clima seco piorou com o desmatamento para os assentamentos de Roriz. 
Havia um friozinho charmoso, mesmo em algumas noites de verão e se chegava em qualquer lugar, por causa dos poucos carros, em vinte minutos.
A especulação imobiliária também ficou absurda. qualquer quarto-e-sala no plano vale mais que meu apê em Boa Viagem, olhando o mar.
Este autor foi muito feliz, ele deu um senhor presente para a cidade.
Lamento no que ela está se tornando.
Ele disse tudo.



O amor acaba aos 50


Autor (es): Carlos Marcelo
Correio Braziliense - 16/04/2010




Toda vez que uma invasão é regularizada, Brasília morre um pouco.
Toda vez que vejo uma latinha de alumínio abandonada numa passagem subterrânea, após ser utilizada para consumo de crack, o amor acaba.
Toda vez que os cidadãos brasilienses se acomodam e restringem os protestos à mesa de bar ou aos fóruns na internet, Brasília morre um pouco.
Toda vez que, mesmo diante do sinal de vida feito pelo pedestre, o motorista acelera e cruza a faixa, Brasília morre um pouco.
Toda vez que percorro um novo bairro, criado sem a mínima infraestrutura, apenas para enriquecer quem já é milionário, o amor acaba.
Toda vez que uma quadra de esportes fica abandonada, sem ninguém disposto a descer do bloco e bater uma bola com os vizinhos, Brasília morre um pouco.
Toda vez que passo na Rodoviária e constato o tratamento indigno concedido aos que dependem daquela estação e daquele serviço, o amor acaba.
Toda vez que um morador da cidade sente necessidade de transformar sua casa em bunker, com avisos de cerca eletrificada e cão feroz, Brasília morre um pouco.

Toda vez que sou ultrapassado dentro do balão, pelo acostamento ou no acesso ao Eixinho, o amor acaba.
Toda vez que um comerciante estende mesas em área pública, e os deputados ainda concedem mais tempo para beneficiar o infrator, Brasília morre um pouco.

Toda vez que vejo a novíssima sede da Câmara Legislativa e penso no que os distritais (não) fizeram até agora para merecê-la, o amor acaba.
 
Toda vez que um governante local converte promessa em denúncia, Brasília morre um pouco.

Toda vez que percebo obstáculos erguidos propositadamente para dificultar a circulação de pedestres pelo pilotis dos blocos, o amor acaba.
Toda vez que a vontade individual ganha do interesse coletivo, Brasília morre um pouco.

Toda vez que vejo árvores sendo derrubadas, sem critério, por motivos mesquinhos, o amor acaba.
 Toda vez que a cidade apaga o próprio passado e dá de ombros para o futuro, Brasília morre um pouco.
 Toda vez, enfim, que Brasília fecha os olhos para sua concepção e segue os caminhos tortuosos de uma metrópole qualquer, meu amor acaba. E fica mais difícil renascer...
.

Um comentário:

  1. CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!CLAP!!!
    De pé....
    Parabéns
    Alfredo

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