quarta-feira, 2 de março de 2011

O problema central é o subfinanciamento

Brasil
Ribamar Oliveira
Valor Econômico 
  

Há um consenso na base aliada do governo no Congresso Nacional de que é necessário arranjar mais recursos para a saúde. Uma parcela da oposição pensa o mesmo. Embora o Palácio do Planalto não queira participar abertamente da articulação, os líderes do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (PT-SP), já admitiram a possibilidade de recriação da CPMF com outro nome. O que ainda freia essa iniciativa é o receio dos líderes dos partidos governistas da reação da opinião pública.

A rigor, a Câmara dos Deputados está muito perto de recriar a CPMF com o nome de Contribuição Social para a Saúde (CSS). Em junho de 2008, ficou faltando votar apenas um destaque supressivo, apresentado pelo DEM, para a conclusão da votação do substitutivo ao projeto de lei complementar 306/2008.

Esse projeto, de autoria do ex-senador Tião Vianna (PT-AC), regulamenta a emenda constitucional 29 e destina 10% da receita corrente bruta da União para a área da saúde. O projeto foi aprovado pelo Senado e enviado à Câmara dos Deputados. Lá, ganhou um substitutivo, apresentado pelo deputado Pepe Vargas (PT-RS).

O substitutivo estabelece que o valor mínimo a ser aplicado pela União em ações e serviços públicos de saúde será o empenhado no ano anterior acrescido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). O substitutivo cria também a Contribuição Social para a Saúde, cujos recursos serão repassados integralmente para a área.

O DEM apresentou um destaque supressivo, que retira do texto do substitutivo a base de cálculo da CSS. Se o destaque for aprovado, o novo imposto não existirá, pois não terá base de incidência. Se for rejeitado, a CSS estará criada pela Câmara. O projeto voltará, no entanto, ao Senado para nova votação.

Em algum momento, a sociedade brasileira terá que enfrentar esta questão. Antes da Constituição de 1988, só aqueles com carteira assinada e que contribuíam para a Previdência Social tinham acesso a esses serviços públicos de saúde, que eram prestados pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Os demais ficavam entregues aos hospitais filantrópicos.

A Constituição de 1988 mudou essa realidade e tratou todos os brasileiros igualmente, de forma ousada e generosa, universalizando o acesso aos serviços públicos de saúde e garantindo a cobertura integral desses serviços. "Da vacina ao transplante com qualidade", como costuma resumir o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), que foi secretário de Saúde de Minas Gerais, nos dois mandatos do ex-governador tucano Aécio Neves.

Pestana não é médico, mas economista. Depois de sete anos à frente da secretaria de Minas, ele ficou convencido de que o problema central do Sistema Único de Saúde (SUS) é de subfinanciamento. "Há problemas de fraudes? Há. Há problemas de gestão? Sim, muitos. Mas a questão central é a falta de recursos", sentenciou, em conversa com este colunista.

Pestana observou que o gasto público per capita com serviços de saúde no Brasil está em torno de US$ 370, quando em Portugal é de US$ 1 mil, US$ 1,5 mil na Espanha e US$ 2,5 mil no Reino Unido e no Canadá. Alguns dos sintomas desse subfinanciamento são as filas para a marcação de cirurgias, a falta de qualidade de muitos serviços, a crise permanente das Santas Casas e o subdiagnóstico nas doenças.

O ex-governador Aécio Neves contratou várias consultorias para fazer mudanças que pudessem melhorar a gestão de seu governo, entre elas a de Vicente Falconi. A área de saúde foi uma das analisadas. Marcus Pestana disse que um dos principais problemas identificados na área foi a pulverização da oferta do serviço. O deputado lembrou que existiam mil laboratórios públicos em Minas Geras. Um estudo mostrou que com apenas 40 laboratórios era possível fazer 2,5 vezes mais exames com o mesmo custo, pois haveria ganhos de escala. "Era preciso manter a coleta descentralizada e centralizar o processamento", disse.

Há também muito desperdício na área. Pestana informou que cerca de 30% dos exames realizados não são pegos pelos pacientes. Esse desperdício pode ser corrigido, lembrou o ex-secretário, com a implantação do prontuário eletrônico do paciente. Os resultados dos exames são automaticamente colocados no prontuário.

Em Minas, Pestana disse que havia um desencontro entre a demanda pelos serviços de saúde e a oferta. O governo mineiro implantou um sistema on-line de regulação, que permite compatibilizar a demanda com a oferta e, em decorrência disso, o tempo médio de internação caiu de 9 dias para 4,5 dias. Houve também melhorias no sistema de compra de medicamentos da rede hospitalar.

No modelo sonhado por Pestana, o Estado brasileiro não precisaria manter hospitais, pois, na sua opinião, a rigidez das carreiras dos servidores dificulta em muito a eficiência dessas instituições. "O Estado tem que ser contratador e regulador dos serviços, mas ele não precisa ser fazedor", prega. Ele lembra que, hoje, as entidades filantrópicas já atendem 41% das internações em todo o Brasil.

O deputado tucano chamou a atenção para o fenômeno da "judicialização da saúde", que está ocorrendo em todo o Brasil. Os pacientes estão contratando advogados para exigirem na Justiça que os seus tratamentos disponham de drogas de última geração e os juízes estão concedendo, baseados nos preceitos constitucionais.

"Os direitos amplos e generosos na área de saúde, garantidos pela Constituição, os recursos escassos, os problemas de gestão e o custo crescente pela incorporação de tecnologia estão resultando na judicialização da saúde", observou. "Esta conta não fecha". Para ele, no entanto, uma nova fonte de recursos para a saúde deve ser discutida no âmbito de uma reforma tributária.

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