JORNAL DO COMMERCIO (PE)
A ocupação das proximidades de cursos d’água é tão antiga quanto pode retroceder a história da humanidade. A fartura gerada pelo recurso hídrico a distância de alguns passos, no entanto, não é mais a mesma há décadas. E no século 21, a escassez natural em parte do planeta, bem como a deterioração ambiental que se espalha, sugerem prudência na atávica atração das pessoas pela moradia perto de superfícies molhadas.
As aglomerações típicas das áreas urbanas trouxeram, com o tempo, pressões sobre os rios ao redor dos quais cidades floresceram. No Recife, a favelização do Capibaribe é um desafio constante para as autoridades: a remoção de construções irregulares e palafitas é quase sempre temporária, com ondas de invasores retornando aos locais desocupados. Com a falta de terrenos para habitação popular na região central, a capital do Estado convive com casebres avançando nos rios como se fossem uma coisa normal, pitoresca até. Não é – nem uma coisa, nem outra. A paisagem da favela sobre as águas depõe contra a beleza natural, ameaçando-a com a miséria permitida pelo descontrole urbano. Sem providências adequadas por parte do poder público, a natureza é consumida velozmente pela voracidade humana. A favela come o rio – e a cidade inteira o perde.
É o que está acontecendo com o Rio Ipojuca, em sua passagem pelo Agreste, especificamente em Caruaru. Reportagem que publicamos no último dia 12 mostrou como a poluição do curso d’água é agravada pelo adensamento populacional em suas margens: 4,5 mil casas já se espremem por lá, de acordo com as estimativas. E a tendência é que a situação piore, uma vez que os gestores públicos sequer acenam com uma solução no curto prazo. Com a perspectiva das chuvas, o que se pretende alternativa de vida se transforma em sério risco, por causa dos alagamentos, para as populações ribeirinhas. Como em outras cidades que enfrentam a questão, as cheias já fizeram vítimas e milhares de desabrigados, retirados depois da calamidade. Mas sem assistência e orientação – e sem fiscalização – as pessoas voltam às margens poucos meses depois. O próprio diretor de Meio Ambiente da Prefeitura de Caruaru, Jorge Quintino, demonstrou preocupação com o nível atual das ocupações. “Se acontecer uma cheia como a de 2004, a tendência é que a tragédia seja ainda maior”, afirmou ao JC. Nas enchentes, depois que a favela come o rio, a água engole a favela, num resultado que mostra a força da natureza sem pena da fraqueza humana.
Antes que uma tragédia súbita ceife vidas, outra tragédia lenta se desenrola. Do Alto do Moura até a divisa com o município de Bezerros, ao longo de quase vinte quilômetros, a degradação ambiental se evidencia pelo amontoado de construções residenciais e comerciais praticamente dentro da água. A distância das construções para a calha do rio chega a ser dez vezes menor do que deveria – cinco metros, em Indianópolis, quando a legislação federal estipula cinquenta metros. Em Caruaru, no Recife e em qualquer cidade, o desrespeito à lei conta com a complacência das prefeituras, a quem caberia o controle urbano, e a fragilidade operacional da agência estadual de meio ambiente, no caso, a CPRH, responsável pelo cumprimento do instrumento legal. Para se ter uma ideia da falta de estrutura municipal, a Defesa Civil de Caruaru dispõe de apenas três funcionários para efetuar o cadastramento dos imóveis perto do Rio Ipojuca. Provavelmente, quando terminar o levantamento, ou será tarde depois, ou terá que começar tudo de novo, pois certamente o número estará defasado.
A relação do indivíduo com o rio que corta a cidade precisa ser regulada por normas de convivência que visem o equilíbrio entre a dinâmica urbana e a dinâmica ambiental. A favelização de importantes eixos de desenvolvimento como o Capibaribe e o Ipojuca contribui para elevar o desequilíbrio, estrangulando ao mesmo tempo a biodiversidade e a qualidade de vida que se aponta como conquista e razão de ser da concentração urbana. Para regular essa relação, os agentes públicos devem estar atentos.
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