sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Remédio, veneno e hipocrisia

Nelson Motta 

O Estado de S.Paulo - 10/12/10

Parece hipocrisia. E é. A liberação da venda de maconha para "fins medicinais" em 15 Estados americanos não parece, mas é um grande avanço. Com um diagnóstico de estresse assinado por um médico, o cidadão se livra de frequentar pessoas e locais perigosos, e de dar dinheiro para bandidos comprarem armas. Ganha um cartão de estressado e pode comprar uma trouxinha de maconha por semana em lojinhas legais, com o Estado monitorando quem compra e quem vende.
O governos estão arrecadando milhões em impostos, controlando consumidores, vendedores e pequenos produtores, e tomando uma fonte de renda do crime organizado. Com o sucesso da nova política a tendência é a adesão de outros Estados. A lei federal ainda proíbe, mas os Estados estão liberando a venda "medicinal" por referendos.
As primeiras respostas são positivas, mas abrem novas perguntas sobre a política de drogas, velhas ilusões e novas evidências: o tráfico de cocaína, heroína e ecstasy continua crescendo e, pior, mais de 6 milhões de americanos são dependentes de remédios vendidos em farmácias legais ou clandestinas, e pela internet, apesar do rígido controle sobre medicamentos tarja preta, sedativos, anfetaminas, tranquilizantes, analgésicos e opiáceos como os que mataram Elvis e Michael Jackson. Há mais dependentes de remédios que de cocaína, heroína e ecstasy juntos. Só os consumidores de álcool e maconha os superam. Imaginem no Brasil, com a nossa fartura de farmácias.
É duro admitir que o problema seja menos das drogas que do ser humano, com suas fraquezas, sua falta de controle, sua paixão pelos abusos e excessos. Neste caso, as possíveis "soluções" estariam mais próximas da moderação que da repressão. Afinal, desde as cavernas os humanos buscam substâncias naturais que os alegrem, ou inspirem, consolem, acalmem, estimulem, façam sonhar, tirem as dores do corpo e da alma. Entre o remédio e o veneno a diferença é a dosagem. E a hipocrisia.
O sucesso da política de venda controlada de maconha "medicinal" nos Estados Unidos vai influenciar nos rumos de toda a América Latina. Teremos um referendo no Rio de Janeiro?
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