CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO
Não se mede o sucesso de um programa tipo Bolsa Família pela quantidade de pessoas beneficiadas. É certo que o programa tem o objetivo imediato de aliviar a pobreza corrente e oferecer um mínimo de conforto para as famílias mais necessitadas. Mas isso não retira as pessoas dessa condição. Elas continuam dependendo do dinheiro do governo. Nesse caso, trata-se de assistência social, não de um programa de redução e eliminação da pobreza. Como este objetivo poderia ser atendido?
A medida essencial está no progresso escolar das crianças atendidas. A ideia básica para esses programas, desenvolvida no âmbito do Banco Mundial, partiu do seguinte ponto: as famílias mais pobres transmitem a pobreza para seus filhos porque não têm recursos para mandá-los para a escola ou porque precisam do rendimento do trabalho dessas crianças. Sem educação formal, estas não encontram bons empregos e, assim, não têm como escapar da pobreza.
Daí o nome técnico do programa - Transferência de Renda com Condicionalidade (Condicional Cash Transfer) - e sua regra básica: a mãe recebe uma renda mínima e mais o dinheiro conforme o número de crianças na escola. Trata-se de cobrir aquilo que o menino ou a menina poderiam ganhar trabalhando.
A ideia de entregar o dinheiro partiu da constatação do fracasso de programas antigos, como a distribuição da cesta básica. Em todos os países, os problemas se repetiam: corrupção na compra pelo governo, erros na composição da cesta, perdas na distribuição. Auditorias mostravam que, de cada um real alocado para o programa, menos da metade chegava na casa das famílias pobres.
Que tal dar o dinheiro para a família? Muitos tecnocratas diziam que isso daria errado, pois as pessoas gastariam tudo com bobagens ou, pior, com bebida, cigarro e jogo. Um equívoco.
A prática provou que as famílias sabem cuidar de si, especialmente quando o dinheiro é entregue para a mãe, como é o caso dos atuais programas.
A segunda ideia boa foi exigir uma condição. A bolsa está condicionada basicamente à presença da criança na escola e, mais que isso, ao seu progresso na educação (frequentar as aulas, passar de ano etc.).
No México Oportunidades, o programa pioneiro na América Latina, iniciado em 1997, e hoje considerado o mais bem implementado, a bolsa paga por criança aumenta na medida em que esta progride na vida escolar. Vai de 10 dólares (mensais) para os alunos do ensino primário até 58 dólares para os rapazes no terceiro ano do ensino superior, com até 22 anos. As meninas recebem bolsa maior (66 dólares no ensino universitário) porque são retiradas da escola com mais frequência, para ajudar na casa e no cuidado com os irmãos.
Além disso, o México Oportunidades também paga uma caderneta de poupança para alunos do ensino médio. Concluindo o curso, eles podem usar o dinheiro para iniciar um negócio ou para financiar os estudos universitários.
No Brasil, o Bolsa Família atende crianças de até 15 anos. Eis, portanto, um caminho para aperfeiçoar o programa brasileiro, sobretudo porque há um problema grave de evasão escolar e atraso no ensino médio.
Outro ponto que se poderia copiar do México. Lá, o programa é avaliado, medido e auditado por uma instituição independente, de fora do governo.
Resumo da ópera: o programa pode atender um quarto da população, como ocorre no Brasil e no México, mas será um fracasso se as crianças não estiverem avançando na escola. Vai daí que a melhora do ensino público é outra condição essencial.
É preciso prestar atenção no foco porque há sempre uma visão político-clientelista, dinheiro em troca de votos, como, aliás, denunciava Lula em suas campanhas eleitorais antes de ganhar. Ele atacava a distribuição de cesta básica e tíquete de leite, definida como uma prática eleitoral para ganhar o povo pela barriga. Dizia mais o candidato Lula: "Eles (dirigentes) tratam o povo mais pobre da mesma maneira que Cabral tratou os índios, distribuindo bijuterias e espelhos para ganhar os índios. Hoje, eles (da elite) distribuem alimentos... Tem como lógica manter a política de dominação."
Isso vale para o Bolsa Família se o programa for apenas ou principalmente de distribuição de dinheiro para os pobres. Há até um argumento econômico - os beneficiados gastam o dinheiro e movimentam o consumo - de modo que, quanto mais dinheiro dado, melhor. Os pobres continuam pobres, mas gastando o dinheirinho recebido das mãos dos políticos no governo e... votando neles.
O que muda tudo é o foco na educação, o efetivo progresso escolar das crianças, que precisa ser constantemente avaliado.
O programa Transferência de Renda com Condicionalidade, desenvolvido no Banco Mundial, foi testado no início dos anos 90 no México e em Honduras.
No Brasil, a primeira experiência nasceu em Campinas, em 1994, numa iniciativa do prefeito José Roberto Magalhães. Era um Bolsa Escola. Um ano depois, o então governador Cristovam Buarque introduziu o programa em Brasília.
O primeiro programa nacional em larga escala começou no México, em 1997. O Brasil foi o terceiro país, com o Bolsa Escola de 2001, governo FHC, numa iniciativa do Comunidade Solidária, de Ruth Cardoso, que participara dos estudos no Banco Mundial. Em 2002, o Bolsa Escola e outros programas semelhantes atendiam mais de 4 milhões de famílias.
No início de 2004, depois do fracasso do Fome Zero, o presidente Lula criou o Bolsa Família, juntando todos aqueles programas. E ampliou o número de famílias beneficiadas para 12,5 milhões.
Que tal dar o dinheiro para a família?
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