quarta-feira, 16 de março de 2011

Será diferente na próxima vez?


Raghuram Rajan
Valor Econômico 

Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, em seu excelente livro homônimo ("Will next time be different?") sobre crises de endividamento, argumentam que as palavras mais perigosas em qualquer língua são "Desta vez é diferente". Em segundo lugar, na lista de palavras mais perigosas, vem, "possivelmente, na próxima vez será diferente".

Essas palavras são frequentemente pronunciadas quando políticos e bancos centrais querem socorrer algum segmento conturbado da economia. "Sim", quase podemos ouvi-los dizer: "Nós compreendemos que socorrer bancos subverterá a disciplina do mercado. Mas não se pode esperar que permaneçamos inertes, assistindo o colapso do sistema, do que resultará sofrimento de milhões de pessoas inocentes. Temos de lidar com as situações que nos são dadas. Mas da próxima vez será diferente".

Os incentivos, para o governo, são claros. A opinião pública os premia por enfrentar problemas imediatos " seja construir diques para proteger casas construídas numa planície sujeita a inundações ou socorrer bancos com títulos de valor duvidoso em seus balanços. Políticos e banqueiros centrais pouco têm a ganhar permitindo que agentes gananciosos ou negligentes sofram as consequências de suas ações, porque, assim, muita gente inocente também sofreria. Uma imprensa simpática amplificaria suas comoventes histórias de empregos e casas perdidas, fazendo parecer insensíveis aqueles que aconselham não intervir. As democracias têm, necessariamente, coração mole, ao passo que os mercados e a natureza não; os governos, inevitavelmente, se expandem para preencher a lacuna.

Instado a escolher entre o risco de ser conhecido pela posteridade como o banqueiro central que permitiu o colapso do sistema e os intangíveis benefícios futuros de uma lição a ser aprendida, não é preciso um gênio para prever a decisão do banco central. A democracia tende a institucionalizar o risco moral em setores que são economicamente ou politicamente importantes " por exemplo, no mundo financeiro ou imobiliário ", admitindo que privatizem os ganhos e socializem os prejuízos.

Mesmo que as autoridades insistam em que na próxima vez será diferente, todos sabem que tomarão a mesma decisão quando confrontados com a mesma escolha. Assim, sabendo que da próxima vez não será diferente, as autoridades empenham-se ao máximo para evitar uma "próxima vez". Mas os agentes que assumem riscos têm todo incentivo para tentar a sorte novamente, sabendo que, na pior das hipóteses, serão salvos. Nesse jogo de gato e rato, os tomadores de riscos têm as melhores cartas.

Os tomadores de risco são grupos de interesse normalmente pequenos e coesos que, após socorridos, têm poderoso incentivo, bem como os recursos, para comprar a influência política necessária para garantir um retorno ao "status quo ante".

Os tomadores de risco são grupos de interesse normalmente pequenos e coesos que, após socorridos, têm poderoso incentivo, bem como os recursos, para comprar a influência política necessária para garantir um retorno ao "status quo ante". Se permitíssemos que os tomadores de risco sofressem prejuízos mais graves, eles teriam a sua disposição menos recursos para reagir contra as tentativas políticas de restringir suas atividades de risco.

Além disso, a opinião pública não tem uma boa memória, horizonte de tempo extenso nem atenção para detalhes. Ao mesmo tempo em que a volumosa lei Dodd-Frank, nos EUA tentava assegurar que os banqueiros nunca voltassem a submeter os contribuintes americanos a riscos desnecessários, a atenção do público tinha se deslocado para o estado da economia real e o desemprego. Por que focar a regulamentação financeira, quando os riscos de um colapso imediato são pequenos e quando os detalhes são tão entediantes? À medida que os técnicos especializados e lobistas foram se apropriando do tema, o público perdeu interesse, a lei Dodd-Frank tornou-se mais e mais simpática aos bancos.

Então, como seria possível deter esse tipo de apostas unilaterais? A resposta assustadora pode ser: as apostas só terminam quando o dinheiro do governo acaba (Irlanda) ou quando a opinião pública perde a paciência (Alemanha, em relação ao resto da Europa).

O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) basicamente assegurou ao setor financeiro que se este começar a ter problemas, taxas de juro extremamente baixas serão mantidas (em detrimento dos poupadores) até a recuperação do setor. Do início a meados da década de 1990, as taxas foram mantidas em níveis baixos por causa dos problemas dos bancos no mercado imobiliário. Os juros foram reduzidos em 2001 e mantidos assim após o estouro da bolha pontocom. E estão ultrabaixos desde 2008. Autoridades do Fed negam que sua política de juros tenha qualquer influência na tomada de riscos, mas existem muitas evidências em contrário.

Mais importante: se o Fed quiser restaurar os incentivos tanto para os tomadores de riscos como para os poupadores, deveria compensar os efeitos de manter os juros baixos por muito tempo elevando as taxas de juro para uma recuperação da economia. Isso será politicamente difícil porque a opinião pública foi programada para acreditar que juros ultrabaixos são bons e que taxas mais altas são ruins para o crescimento, sem nenhuma consideração quanto à sustentabilidade do crescimento no longo prazo.

Finalmente, a pressão sobre os governos para que intervenham seria menor se as pessoas tivessem acesso a uma rede mínima de segurança. Uma rede de segurança mais forte permitiria aos políticos aceitar mais dificuldades para as empresas ou para o setor financeiro e contribuir para dar mair solidez à alegação de que da próxima vez será realmente diferente.

Raghuram Rajan ex-economista chefe do FMI, é professor de Finanças na Universidade de Chicago e autor de "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy" (Linhas de falha: como fraturas ocultas ainda ameaçam a economia mundial). Copyright: Project Syndicate, 2011.
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