terça-feira, 1 de março de 2011

Os desafios atuais da política pública para a dengue


Nilson do Rosário Costa
Valor Econômico

O anúncio da nova política para a dengue, feito pelo ministro Alexandre Padilha em janeiro, sinaliza uma mudança nas iniciativas governamentais para o problema. Além de comprometer recursos da União, observa-se uma clara opção pelos Estados como interlocutores do Ministério da Saúde para o controle da dengue. Na última década, esse controle passou a ser uma responsabilidade quase exclusiva dos municípios e o país paga um preço excessivo por tamanho equívoco.

A opção pela municipalização imitou acriticamente o processo da descentralização da assistência individual à saúde por meio do qual o governo federal transferiu para os municipais parte substancial dessa atividade. Para o caso da dengue, e para toda a atividade de vigilância em saúde, a estratégia da descentralização após a Constituição Federal de 1988 tem se mostrado um desastre. O mapa de risco de 2011 para a doença comprova a baixa efetividade dessa estratégia ao declarar que dezesseis Estados estão em situação de risco "muito alto" e cinco com risco "alto" de epidemia.

Os serviços prestados pela vigilância em saúde no Brasil são bens públicos (informação epidemiológica e sanitária, prevenção de riscos coletivos à saúde, como controle de vetores e vacinação). O governo detém quase monopólio de prestação de VS e o desempenho ótimo é crucial para o bem estar coletivo. É muito importante avaliar as mudanças das estratégias e competências governamentais na atividade.

O Ministério da Saúde parece reconhecer que a estratégia municipalista do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), lançado em 2002 por Fernando Henrique Cardoso e mantido no governo Lula, fracassou. Os objetivos de redução da infestação pelo Aedes aegypti e a diminuição da incidência da dengue em 50% dos casos em 2003, em relação a 2002, e 25% a cada ano, nos anos seguintes, não foram alcançados.

A dengue tem apresentado um padrão cíclico e desigual de alta incidência nas cidades brasileiras. Um exemplo é o da cidade do Rio de Janeiro, que enfrentou duas grandes e desconfortáveis epidemias em 2002 e 2008. O inquietante na epidemia em 2008 foi o quantitativo dos casos graves: 7.619. Em 2002, houve na cidade 711 casos graves.

Vários municípios estão expostos à situação quase permanente de "alta incidência" da dengue - mais de 300 casos por 100 mil habitantes em intervalos de dois ou três anos. Os exemplos expressivos são Rio Branco, Fortaleza, Vitória, Natal, Boa Vista, Palmas e, especialmente, a cidade de Goiânia.

As autoridades públicas e a comunidade científica têm insistentemente transferido a responsabilidade pela permanência e dispersão dos casos da dengue no país à urbanização e à produção massiva de lixo ou à negligência individual com o destino da água e manejo de vasos de plantas. A reintrodução de um novo tipo de vírus é também lembrada como um causa técnica elegante e neutra para justificar o aumento dos casos. Todos esses elementos são, com a devida ponderação, importantes para a reincidência e agravamento da doença, mas resta perguntar: qual o nível específico de responsabilidade institucional do Ministério da Saúde, Estados, municípios?

A evolução nacional da dengue permite questionar severamente os pactos federativos de gestão escolhidos pelo SUS para controlar a epidemia. O Brasil andou na contramão da tendência mundial de recentralização da vigilância em saúde ao municipalizar as atividades operacionais nessa área. Ao contrário do senso comum que acha que o mosquito da dengue "Aedes aegypti" não tem dono, depois do PNCD ele tornou-se responsabilidade do município. O Ministério da Saúde reservou para si a parte nobre de formulação das políticas para o problema. Para o Estado ficaram as tarefas confortáveis e opcionais de apoio logístico e laboratorial por meio dos combalidos e obscuros Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens).

Aos municípios cabem as ações de bloqueio da transmissão, vigilância entomológica, ampliação do saneamento, notificação dos casos, coleta de material para sorologia e isolamento viral, organização de plano de contingência para internação dos pacientes com dengue e mobilização social. O cumprimento dessas tarefas tornou-se completamente dependente da frágil e volátil capacidade municipal de planejamento e gestão da vigilância em saúde. Nas regiões metropolitanas, o sucesso de um município no controle da dengue não necessariamente produz segurança sanitária porque nada garante que a cidade vizinha também tenha se comprometido de fato com o problema.

A ampliação da participação das autoridades estaduais no controle da dengue é bem-vinda. A preocupação com a coordenação regional do controle da dengue e da própria atividade da vigilância em saúde deve voltar à agenda da política pública. A nova orientação produz uma inevitável apreensão. Salvo poucas exceções, nas duas últimas décadas as secretarias estaduais de Saúde nada mais têm feito do que o desmonte contínuo e voluntário da estrutura operacional de controle direto de doenças infecciosas e parasitárias.

O aspecto positivo do chamamento aos Estados está na oportunidade de envolver os governadores na crucial ampliação da cobertura do esgotamento sanitário e da regularidade no fornecimento de água nos bairros pobres. A ampliação do saneamento básico depende quase que exclusivamente da decisão dos executivos estaduais, que controlam as empresas públicas de água e esgoto. Não tem sentido demandar aos municípios a solução do problema do saneamento básico.

A extinção da Sucam, em 1990, pelo governo Collor, marcou o fim dos programas verticais do governo federal no controle de endemias. Desde então, o Ministério da Saúde tem se mantido na zona do conforto da omissão operacional na vigilância em saúde. É urgente a abertura de um debate consequente sobre a responsabilidade organizacional do Ministério da Saúde nesta área.
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