O GLOBO
O mundo assiste, entre hipnotizado e perplexo, à História ser escrita a cada dia no movimento pró-democracia no Norte da África e no Oriente Médio. As rebeliões populares contra o velho regime em Egito, Tunísia, Líbia e outros países derrubam uma série de mitos. Os levantes não estão sendo liderados por raivosos militantes islâmicos contra ditadores laicos, mas pelo próprio povo e, em grande parte, por uma juventude conectada com a modernidade, utilizando a mais sofisticada tecnologia das mídias sociais. Não a move esta ou aquela ideologia, mas a busca de liberdade, empregos, oportunidades e democracia.
Ficou para trás, por obsoleta, a política ocidental de apoiar ditadores como Mubarak, ex-líder egípcio, Ben Ali, ex-líder tunisiano, e o líbio Kadafi para evitar a ascensão de forças extremistas islâmicas, sintonizadas com o credo terrorista da al-Qaeda. Os movimentos pró-liberdade no mundo árabe pegaram de surpresa até aqueles extremistas, que ficaram à margem. Movimentos islâmicos tradicionais, como a Irmandade Muçulmana, no Egito, certamente terão um papel no futuro do país, mas nada até agora indica que ele será incendiário.
Quiçá terá sido superada a ideia ocidental de ajudar a manter o status quo a todo custo naquelas regiões, para garantir a produção e a exportação de petróleo. O Ocidente está revisando seus conceitos para admitir que não há incompatibilidade entre democracia (ou a busca dela) e produção estável de petróleo. Ainda que, durante períodos críticos, como atualmente na Líbia, ela possa cair verticalmente.
Com a corajosa busca de seus direitos, os jovens manifestantes no mundo árabe e no Irã estão incluindo definitivamente os direitos humanos entre as considerações a que os países não podem se furtar. É histórica a decisão unânime do Conselho de Segurança da ONU de pedir a intervenção do Tribunal Penal Internacional para julgar Kadafi por crimes contra a humanidade. Os EUA, que não são signatários do TPI, apoiaram decisivamente a proposta. A China correspondeu à sua atual importância e evitou se abster. Na presidência rotativa do Conselho de Segurança, o Brasil atuou de acordo com suas melhores tradições.
Outro órgão multilateral, o Conselho de Direitos Humanos da ONU, tomou a inédita decisão de investigar um país-membro - a Líbia - e deverá puni-lo com a expulsão. São decisões que fortalecem o multilateralismo, ou seja, a atuação concertada da comunidade internacional pelo bem comum.
Os fatos que vêm à luz na Líbia mostram evidências mais do que suficientes para julgar Kadafi por crimes contra a humanidade, por atos passados e presentes. O TPI conduzirá uma investigação e se reportará ao Conselho de Segurança. Mas o ditador continua entrincheirado em Trípoli, e a comunidade internacional precisa manter a coesão e o ânimo para apoiar os que se rebelaram contra seu tacão. O CS da ONU também decidiu pelo embargo de armas à Líbia, o congelamento dos bens de Kadafi e de sua família, e a proibição de viagens ao exterior. São passos importantes.
Há muito mais a fazer. O Alto Comissário da ONU para Refugiados, Antonio Guterres, chamou a atenção para as centenas de cidadãos de países pobres, como Somália, Sudão e Iraque, ainda retidos na Líbia por falta de recursos para deixar o país. Eles precisam de ajuda urgente. A torcida é para que, de fato, a diplomacia multilateral tenha subido de nível.
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