sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Aviso prévio

Míriam Leitão

O GLOBO 

A última ata do Copom do governo Lula informa que terá de haver aumento da taxa de juros no começo do governo Dilma. Nada é dito claramente em documentos do Banco Central, tudo tem que ser entendido nas entrelinhas e escolhas de palavras. Mas, noves fora todo o jargão, o que o BC quis dizer é que sim, os juros terão que subir porque a inflação está sensivelmente acima da meta.

Se os juros vão subir ou não, depende do governo Dilma, mas na ata há sinais de que a alta é necessária. Quando o Banco Central diz que no "cenário de referência" a inflação está acima do centro da meta, ele quer dizer que se tudo for mantido como está, a taxa ficará num nível que, pelas regras do regime de metas de inflação, os juros terão que subir. É o mesmo recado que está no trecho em que diz que no cenário de mercado a inflação convergirá para a meta. E qual é o cenário de mercado? O de uma alta de juros de no mínimo um ponto percentual e meio. Quando diz que "não há equivalência perfeita entre medidas macroprudenciais" e taxas de juros, ele quer dizer que o fato de ter elevado o recolhimento compulsório e de ter adotado exigências para as instituições financeiras na concessão de crédito não quer dizer que isso substituirá uma elevação dos juros.

As medidas adotadas reduzem a oferta de crédito e podem indiretamente afetar favoravelmente a inflação, mas a medida clássica de política monetária continua sendo a elevação da taxa de juros.

Essa espécie de aviso prévio de elevação dos juros no começo do governo Dilma deve ficar mais claro no último relatório de inflação do mandato de Henrique Meirelles, que sairá na semana que vem.

Este ano, a comunicação do Banco Central foi muito criticada no mercado, porque na avaliação dos economistas ele demonstrou ter uma interpretação de que a inflação cairia naturalmente, e ela, na verdade, subiu. O entendimento de muitos economistas é o de que o Banco Central cedeu ao calendário político parando de subir os juros antes da hora. E isso teria ficado ainda mais comprovado nas medidas de aperto de crédito e liquidez que o BC tomou uma semana antes da reunião do Copom, demonstrando temer o risco de bolha. Ora, se ele vinha dizendo que o cenário era "benigno", e ainda que havia aumentando a potência da política monetária - ou seja, com menos elevação de taxas de juros se teria mais efeito de redução da inflação -, por que então teve que tomar medidas de aperto, falar em risco de bolhas, e divulgar uma ata em que fala de aumento dos riscos de inflação acima do centro da meta? E se a situação é de risco por que então não subiu juros, deixando para o ano que vem?

Quem defende o Banco Central argumenta que, no início, a inflação parecia só concentrada em alimentos, tanto que ainda hoje, se não for considerada a elevação de preços de alimentos, a inflação está no centro da meta. Depois, ficou claro que o aumento dos preços de alimentos não era da modalidade tradicional provocada pelos ciclos naturais de safras e entressafras, mas decorrente de variados fatores. Um deles é a elevação dos preços das commodities no mercado internacional derivada da crise econômica.

A crise internacional tem efeitos diferenciados na economia. Por um lado, o excesso de liquidez provocou uma série de altas no mercado de commodities, por outro, houve deflação em produtos manufaturados exportáveis. Esses produtos tiveram queda de preços em dólar porque, diante da fraca demanda internacional, alguns países diminuíram seus preços para continuar vendendo. Esse efeito deflacionário da crise estaria terminando e sendo substituído pelo impacto oposto da elevação da inflação pela alta de commodities.

Além disso, o que era efeito primário, a elevação da inflação de alimentos, acabou virando um efeito secundário: o aumento das expectativas em relação à inflação, o que se combate com elevação dos juros.

A sinuca de bico é como subir os juros num mundo de juros baixíssimos, como são as taxas atuais? Outra dúvida é se o Banco Central da presidente Dilma começará subindo os juros como fez Lula. O presidente Lula vinha de 20 anos dizendo que reduziria os juros e, naquele momento, teve que provar que não serie leniente com a inflação. A presidente eleita, Dilma Rousseff, pode achar que nada tem a provar, pode ter suas próprias ideias sobre política monetária, já que é economista, nomeou auxiliares que sempre defenderam a ideia de que é preciso fazer o oposto do que recomenda o regime de metas de inflação. Muitos economistas acharam que a ata foi dúbia. Por tudo isso, a dúvida sobre o que acontecerá a partir de janeiro continua.

Por outro lado, o presidente Lula estava no início de um longo ciclo de expansão da economia internacional, um período sem crises, e cercado de otimismo. A presidente Dilma assumirá no meio das dúvidas sobre como será o ano que vem, como se desenrolará a crise europeia, se haverá ou não uma reestruturação da dívida soberana espanhola. Se houver, os tremores podem ser sensíveis, porque a Espanha é uma das grandes economias da Europa e não um país da periferia do sistema europeu. O melhor seria a cautela, mas pouco se sabe do real comprometimento do governo Dilma com o combate à inflação. É esperar para ver.
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