quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Modelos a imitar



RUY CASTRO


FOLHA DE SÃO PAULO 

Na quarta-feira passada, bastavam um litro de gasolina e um fósforo para que um jovem candidato a marginal criasse um fato espetacular no Rio -o incêndio de um carro é sempre um espetáculo dramático- e o visse reproduzido nos jornais e TVs de toda parte. Já, no sábado, um menino de 8 anos foi baleado na perna pelos traficantes do Jacarezinho por se recusar a queimar um carro para eles.
Algo aconteceu entre os dois fatos. No meio da semana, ainda prevalecia o mito do marginal como herói, insubmisso à "covardia" da lei e do poder constituído, como dito num panfleto anônimo que circulou pela internet. Poucos dias depois, aos olhos das crianças das comunidades dos morros cariocas, os heróis passaram a ser a PM, a Polícia Civil e os fuzileiros navais, varejando cada viela e se arriscando a ser alvejados por inimigos -estes, sim, covardes- de tocaia.
As imagens dos bandidos espavoridos fugindo da Vila Cruzeiro rumo ao Alemão e, no domingo, sendo procurados pela lei em suas casas, debaixo da cama, escondidos na caixa d'água respirando pelo canudinho, ou entrando pelos esgotos do PAC, também podem ter marcado esses meninos para sempre. Eles agora têm novos modelos a imitar -melhores que o traficante Zeu, assassino de Tim Lopes, que urinou nas calças ao se entregar.
Até há pouco, não faltavam garotos para manter as quadrilhas funcionando. À medida que os mais velhos iam caindo, uma nova geração tomava seu lugar. Tal cadeia pode ter se quebrado. Não seria má ideia usar essa mão de obra, subitamente ociosa, na reforma física de suas próprias comunidades.
Enquanto isto, há muito o que fazer longe dos morros. Como, por exemplo, uma reforma judiciária, que mantenha presos os bandidos condenados. E uma melhora nos salários da polícia do Rio, para que ela, agora admirada, deixe de ser o primo pobre da nação.
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