quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mundo novo

 Merval Pereira 
O Globo

Nada mais característico dos tempos atuais do que o criador do Facebook, Mark Zuckerberger, ter sido escolhido, aos 25 anos, a personalidade do ano pela revista “Time”. E, mais significativo ainda, a opção era Julian Paul Assange, 39 anos, criador do WikiLeaks, blog que vem provocando uma revolução no mundo dos governos e do jornalismo ao divulgar correspondências sigilosas de autoridades americanas em redor do mundo.

Os dois têm uma característica comum: são originalmente hackers, jovens especialistas em computadores que têm capacidade técnica de alterar ou aperfeiçoar programas e até mesmo invadir sistemas por mais sofisticados que sejam.

Zuckerberger foi o escolhido por “conectar mais de meio bilhão de pessoas e mapear as relações sociais entre elas; por criar um novo sistema de troca de informações e por mudar a maneira como todos nós vivemos.” Informação, e como ela circula pela internet, parece ser a chave dessa revolução.

O sociólogo Manuel Castels, um dos maiores estudiosos desse novo mundo tecnológico, afirma em seu novo livro, “Comunicação e poder”, que o poder se baseia no controle da comunicação, e em recente artigo no jornal espanhol “La Vanguardia” diz que “a reação histérica dos Estados Unidos e outros governos contra o Wiki- Leaks confirma isso”.

Para ele, “entramos em nova fase da comunicação política”. Da mesma maneira, alguns governos temem o grande arquivo de dados do Facebook e a facilidade com que ele pode ser usado para formar redes e espalhar informações.

A China bloqueou o site desde 2009, Irã, Paquistão e Arábia Saudita proibiram o Facebook em diversas ocasiões.

Castels diz que a reação à ação do WikiLeaks não se dá “tanto porque se revelem segredos ou fofocas”, mas porque eles se espalham “por um canal que escapa aos aparatos de poder”.

A Revolução Digital, diz Rosental Calmon Alves, professor brasileiro da Universidade do Texas, tem como impacto mais importante a repartição de poder dos meios de comunicação de massa com os indivíduos.

É o que Castels chama de “a sociedade civil global”, que tem agora os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa.

O sociólogo, professor da Universidade Southern California, ressalta que ninguém contesta a veracidade dos documentos vazados, e o vazamento de confidências “é a fonte do jornalismo de investigação com que sonha qualquer meio de comunicação em busca de furos, desde Bob Woodward e sua G a r g a n t a P r o f u n d a no “Washington Post”. A difusão da informação supostamente secreta é prática usual protegida pela liberdade de imprensa”.

Para ele, a diferença é que “os meios de comunicação estão inscritos num contexto empresarial e político suscetível a pressões quando as informações resultam comprometedoras”.

Para o jurista Joaquim Falcão, diretor da faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio, a questão está definida na primeira emenda da Constituição americana, que distingue a “liberdade de expressão” da “liberdade de imprensa”, sendo a primeira um conceito mais amplo.

Para Falcão, liberdade de expressão é o gênero, e a liberdade de imprensa é a espécie, mas esta depende da primeira.

“O novo nisso é saber se os padrões, os hábitos, a cultura do jornalismo tradicional se aplicam a esse novo mundo da internet”, comenta Falcão. Para ele, o vazamento de informações da forma que é feita pelo WikiLeaks obedece a padrões diferentes, disponibiliza tudo e retira do jornalista a capacidade de selecionar informações.

Rosental Calmon Alves reconhece que, além do desafio de governos e instituições para proteger seus documentos sensíveis, há outro desafio criado para os jornalistas, que estão fazendo de tudo para se capacitar a lidar não só com vazamentos, mas com a análise e a narrativa de enormes volumes de dados que encontram pela frente.

Uma nova disciplina está se criando no jornalismo para lidar com isso: em inglês, database journalism ou data-driven storytelling. Ou seja, como tirar boas histórias ou reportagens dos arquivos.

Rosental destaca que o Wiki- Leaks foi fundado na melhor das tradições do alerta da sociedade, aquele informante que, geralmente indignado com algo criminoso ou imoral, decide vazar uma informação, como forma de denunciar o erro e tentar com que os culpados sejam punidos, cujo exemplo emblemático é o caso Watergate.

O problema dos últimos megavazamentos, diz ele, é que se trata de algo “tão volumoso que parece indiscriminado”. Uma coisa, diz Rosental, é o vazamento do vídeo mostrando um ataque contra civis no Iraque, a conversa insensível dos militares etc., ou seja, um caso concreto a denunciar.

“Outra coisa é expor milhares e milhares de telegramas confidenciais das embaixadas ou informes de campo de soldados.” Mas ele ressalta também que “o maior mito deste episodio é dizer que o WikiLeaks divulgou todos os telegramas, indiscriminadamente”.

Segundo Rosental, os 250 mil documentos não foram publicados na internet, mas entregues a jornalistas responsáveis que se comprometeram a filtrálos e publicá-los de maneira condizente com seus princípios éticos e profissionais.

“Nem o WikiLeaks publicou tudo o que recebeu nem a imprensa publicou indiscriminadamente”, define.

O papel da imprensa não é guardar segredos do governo, mas ela faz bem ao fazer concessões e não publicar certas informações que ponham em risco a vida de pessoas citadas, ressalta Rosental — concordo com ele, este é um ponto fundamental na discussão.

O fato é que a ciberguerra começou, como define Manuel Castels, guerra entre os Estados e a sociedade civil internauta.

Para alguns, como o crítico Christopher Hitchens, Julian Assenge não passa de um “megalomaníaco inescrupuloso com uma agenda política”.

Para a revista inglesa “The Economist”, ele tem que ser processado. Já o WikiLeaks em seu editorial se propõe a difundir documentos classificados (reservados, confidenciais ou secretos), em nome da “transparência e da prestação de contas”.

Eu acho que ele tem mais de anarquista do que de jornalista. Mas o fato de ter escolhido sete jornais pelo mundo, entre eles O GLOBO, para divulgar os documentos, mostra que o jornalismo tradicional é instrumento de credibilidade nesse novo mundo da informação.
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