FABIANO MAISONNAVE
FOLHA DE SÃO PAULO
Imagine-se desembarcando pela primeira vez em Guangzhou (Cantão). É madrugada.
Você toma um táxi a um preço razoável. No meio do caminho, o motorista para e diz que a corrida sairá mais cara. Há três alternativas: pagar o aumento, descer ou dizer que aceita, mas não dar a diferença na chegada.
De uma forma ou de outra, você perde, adverte o consultor americano Paul Midler, autor da parábola. Escaldado por anos trabalhando com fábricas chinesas, diz que a desagradável surpresa do viajante estava cuidadosamente calculada pelo taxista. É resignar-se, ficar sozinho no meio da rua ou discutir na delegacia em condições desfavoráveis.
Ressalvadas as proporções, o desafio do chanceler Antonio Patriota é parecido na viagem de dois dias que fará a Pequim a partir de quarta, com a missão de preparar o terreno para a visita de Dilma Rousseff, em meados de abril.
O novo governo estreia na China em meio a sinais de que ainda tateia em temas cruciais como a política cambial, limite de investimentos em mineração, aumento das barreiras contra a invasão de produtos baratos e se de fato o tema dos direitos humanos terá mais peso na política externa.
Não se trata apenas de reformulação, é também um problema de "herança maldita". O próprio ex-chanceler Celso Amorim admitiu em novembro que, mesmo após oito anos no cargo, não construiu um "conceito pleno de como será a relação com a China".
Já a China tem claro o que quer do Brasil: uma fonte confiável de minério de ferro, petróleo e soja, mercado para seus produtos industrializados e uma aliança em temas ligados ao aumento da participação de emergentes em organismos como o FMI e o Bird.
Sem uma agenda clara, Patriota encontrará ainda um regime mais arrogante e agressivo, ciente de que resgatou a economia mundial da crise financeira de 2008.
Internamente, reprime qualquer indício de oposição, como a onda de prisões de mais de cem ativistas nos últimos dias para minar uma inexpressiva tentativa de repetir na China a revolta no mundo árabe.
Fora, a China transformou o poder econômico em arma, caso do boicote à exportação de terras raras ao Japão durante crise diplomática por disputa territorial, no ano passado.
Num ambiente assim, Patriota certamente vai se cuidar para não melindrar o principal parceiro comercial do Brasil, com quem o país conseguiu um expressivo superavit de US$ 5,2 bilhões em 2010.
É justo registrar que o Brasil não é o único que hesita diante do desafio chinês. Numa frase já histórica revelada pelo WikiLeaks, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, pergunta ao então premiê australiano, Kevin Rudd, 11 meses atrás: "Como lidar de forma dura com o seu banqueiro?".
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