A economia avança, os horizontes se abrem e cresce o número de fugitivos nas grandes empresas, a sonhar com negócios próprios
O título desta coluna foi emprestado de um conhecido filme de John Huston. Lançada em 1961, a obra é uma notável coleção de ícones. A história foi escrita por ninguém menos que Arthur Miller. A estrela era sua esposa, Marilyn Monroe. O elenco contava com Clark Gable e Montgomery Clift. A não menos icônica agência Magnum registrou as filmagens, com fotógrafos como Henri Cartier-Bresson, Cornell Capa e outros luminares.
Como todo grande filme, Os Desajustados não foi um sucesso comercial. Entretanto, com o tempo ganhou o respeito de críticos e cinéfilos, que reconheceram a magnífica fábula e o trabalho singular de seus atores. Huston coloriu a história de Miller em imprescindível preto e branco, gastou uma fortuna e conduziu uma filmagem turbulenta. O produto final tem altos e baixos. Pouco importa. Suas qualidades justificam o culto.
A história se passa em Reno, uma pequena cidade de Nevada. Gay Langland (Gable) é um caubói veterano que vive da captura de mustangs. Esses cavalos, que tiveram um passado marcante na história norte-americana, agora são caçados e vendidos, por quilo, para matadouros, que utilizam sua carne na fabricação de ração para cachorros. Deprimente!
Os passos de Gay se cruzam com os de Roslyn Tabor (Monroe), uma divorciada confusa e instável. Ele é um homem livre. No entanto, como os mustangues, é um espécime ameaçado. Agarra-se como pode aos ideais daqueles de sua estirpe. Seu inimigo é o inexorável avanço da dita civilização: a urbanização, a industrialização e as modernas relações de trabalho.
Para Gay, o inferno é o trabalho assalariado. Seu amigo Pierce Howland (Montgomery Clift), outro caubói errante, abandonou a propriedade da família depois que seu padrasto o ofendeu com a oferta de um emprego remunerado. Em diversas cenas, Guido (Eli Wallach), outro parceiro de Langland, o relembra da ameaça perene: tornar-se um mísero empregado.
A cena final de Os Desajustados mostra Gay e Roslyn na cabine de um caminhão, viajando à noite pelo deserto. O caubói havia libertado os mustangues que capturara. Marcara, com o ato, a renúncia a um modo de vida que não reconhecia mais como seu, que havia sido profanado pelas mudanças do mundo ao redor. Roslyn pergunta a Gay como ele consegue se orientar no escuro. O caubói responde indicando uma estrela e revelando que basta guiar-se por seu brilho, que os levará para casa.
Para Gay e seus amigos, trabalhar para um senhor, vender o corpo e a alma para o dono do capital é uma ignomínia, um passo certo para a degradação social. Os caubóis de Huston- e Miller são criaturas míticas de outra época, de outro mundo. Desde suas desventuras pelo deserto de Nevada, muita coisa mudou. A industrialização avançou e estancou, a economia dos serviços ascendeu e se consolidou. As empresas cresceram e grandes corporações ganharam o mundo. O trabalho assalariado se expandiu. O sonho de liberdade dos caubóis morreu, outros sonhos surgiram para tomar seu lugar.
Nas últimas décadas, as aspirações de jovens profissionais envolveram carreiras em grandes empresas a prover conforto, estabilidade e possibilidades, em suma, um futuro radioso. Entretanto, esse ciclo parece ter também se esgotado. Hoje, uma carreira em grande empresa garante apenas poucas horas de sono, muitas preocupações, incertezas, úlceras e problemas cardíacos.
Sintomaticamente, muitos jovens profissionais estão buscando outros rumos, abraçando a montanha-russa do empreendedorismo. Retornam, em espírito, ao campo aberto dos caubóis. E não seguem sozinhos. Um número significativo de profissionais experientes persegue a mesma aventura.
A motivação dos dois grupos é diferente: enquanto os mais jovens procuram a vertigem e o sucesso, os mais maduros frequentemente buscam apenas escapar do tédio e da frustração. Os riscos são consideráveis: as taxas de falência de novos negócios, próximas de 50%, atestam a distância entre o sonho e o feijão.
As revistas de negócios adoram histórias de sucesso, mas muitos empreendedores trocam o jugo de seus patrões, nas empresas, pelo jugo de seus clientes, em seus negócios próprios. Em lugar de se tornarem donos de seu tempo, veem-no esvair ainda mais rapidamente do que antes, a tentarem fazer frente a dezenas de tarefas, todas aparentemente urgentes.
Os novos, e nem tão novos, candidatos a John Wayne devem se preparar para grandes desafios e emoções. O momento os favorece e a vida nas pradarias do empreendedorismo tem seu charme: os horizontes são amplos e muitos caminhos continuam inexplorados. Porém, as chances de encontrar estrelas guias e, principalmente, Marilyn Monroe são escassas.
Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração. thomaz.wood@fgv.br
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