Se vc vier a não entender muito do que abaixo segue pelo menos terá forte impressão de que política externa não pode ser conduzida por pessoas despreparadas. Aliás, somente estadistas de fato lograram êxito nessa matéria.
Segue um relato importante de um ponto sofrível em nosso governo. Estamos perdendo muito com o enfraquecimento do Mercosul e com a leniência em relação às restrições que a economia argentina nos sobrecarrega.
Trato é trato
Celso Ming
O Estado de S. Paulo
A presidente Dilma Rousseff cumpriu ontem sua primeira visita de chefe de Estado ao exterior. Na Argentina, encontrou-se com a presidente Cristina Kirchner, assinou contratos e recebeu as mães da Plaza de Mayo.
O Itamaraty bem que se esforça para passar a impressão de que, na condição de pueblos hermanos e tal, as relações Brasil-Argentina são também inabaláveis e tal. Mas as relações comerciais continuam tensas, eivadas de provocações, quebras de acordos e muitas tentativas, por parte dos argentinos, de testar até onde vai a tolerância do Brasil.
A todo momento, seu governo sapeca restrições às exportações brasileiras. Os argentinos amontoam um punhado de lamúrias. Queixam-se de que a balança comercial entre os dois países é amplamente favorável ao Brasil, o que é verdade. Na falta do que dizer, alegam que as condições entre os dois países são assimétricas, sempre desfavoráveis a eles e que precisam de compensações de maneira a evitar a asfixia do empresário argentino.
Houve um tempo, ao final da década de 90, em que argumentavam que o Brasil mantinha excessivamente desvalorizado o real, o que tornava a competição comercial tremendamente desleal. Durante o governo Carlos Menem, o ministro da Economia Domingo Cavallo chegou a dizer que o Brasil manipulava o câmbio para reduzir o vizinho à mendicância. Mas, hoje, nem essa milonga podem evocar, porque o real está fortemente valorizado não só em relação ao peso argentino, mas também a todas as moedas fortes.
Os industriais argentinos listam outras reclamações. Que o mercado brasileiro é muito maior, o que não é verdade, porque Argentina e Brasil fazem parte da mesma área de livre comércio e a soma dos dois mercados está disponível para os sócios do Mercosul em igualdade de condições.
Chegaram mesmo a afirmar que o BNDES é um fator de assimetria porque concede financiamentos a empresas brasileiras a que as empresas argentinas não têm acesso.
Afirmam também que, ao contrário do que acontece com o empresário brasileiro, não contam com financiamentos externos. E nesse ponto têm razão porque, depois do megacalote da dívida externa argentina, credor nenhum tem boa vontade com eles.
O problema é que os argentinos têm lá seus enroscos em matéria de competitividade, que começam pela própria política econômica do governo. O tabelamento de preços e salários mais o confisco das exportações (retenciones) inibem os investimentos, especialmente em infraestrutura e energia. Esse fato, por sua vez, se soma à manipulação das estatísticas de inflação, que deforma tudo e cria outras inseguranças para quem produz.
Durante seus oito anos de mandato, o presidente Lula foi leniente com a falta de disposição dos argentinos de cumprir contratos. Aguentou pachorrentamente as provocações. Mas Dilma parece ter saído de Brasília em direção a Buenos Aires com outra atitude.
Avisou que, malgrado todas as diferenças, trato é trato e que precisa ser cumprido. Foi um jeito de matar logo no ovo a disposição portenha de seguir aprontando e depois compor longas milongas com a certeza de que serão sempre atendidos.
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