terça-feira, 1 de março de 2011

Cor da gata e a morte do rato

Alexandre Barros
O Estado de S. Paulo 

 Desculpe, dona Solange, não se ofenda. A gata é a senhora. Mas, lendo o artigo, verá que o título foi por boa causa.

Em 2007 a crise aérea rivalizou com a seleção brasileira: todos tinham opiniões, diagnósticos e estratégias. O ministro da Defesa disse que o caos aéreo seria resolvido. Poucos problemas: recapear as pistas e um novo presidente para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Disse ele que, na aviação civil, a cor da gata era irrelevante. O importante era que ela matasse o rato.

Dona Solange chegou à presidência da Anac e as coisas pareceram começar a funcionar. De colete amarelo ela foi para a frente de batalha. Tudo parecia encaminhado e resolvido. As múltiplas vaidades envolvidas na administração do transporte aéreo civil pareciam engolidas pela decisão, energia e exemplo de dona Solange.

Faltavam duas coisas simples, mas raras: gestão e energia. Dona Solange chegou com ambas. Que pena, a cosmética foi feita, mas não adiantou muito. Filas aumentaram e atrasos também. Culparam os pobres, que começaram a viajar demais.

Minha animação levou um banho de água fria na entrevista que a senhora concedeu a Miriam Leitão no programa Espaço Aberto em 17 de fevereiro de 2011, três anos depois de ter assumido o cargo e já dele saindo.

Sua primeira afirmação, de que não há barreiras para a entrada de novas empresas aéreas no Brasil, me deixou pasmo. Por que será que só temos 7 ou 8 empresas aéreas? Faltam iniciativa e inventividade aos empreendedores brasileiros ou há alguma coisa oculta?

Segundo, a senhora disse que fechou os escritórios da Anac nos aeroportos porque tinham pouca utilidade. Eles eram ocupados por pessoas terceirizadas que pouco entendiam de aviação e a maioria das multas aplicadas às empresas acabava não se sustentando por falta de base legal. Ergo, eram inúteis.

A senhora enfatizou, também, que o objetivo da Anac é ser autossuficiente, cobrando por serviços e aplicando multas. E mais, a senhora disse que as multas aplicadas pela Anac subiram de cerca de R$ 800 mil, em 2007, para R$ 17 milhões, em 2010, e isso era um bom sinal no caminho da Anac para a autossuficiência.

Os passageiros, entretanto, não têm com quem reclamar porque os escritórios não existem mais. A saída foi criar um 0800. Parece o candidato a presidente José Serra em 2002: abordado por uma moradora de uma área de baixa renda, mal ouviu a pergunta e sugeriu à eleitora que lhe mandasse um fax.

Suponho que as pessoas, quando reclamam no 0800, recebem um número de protocolo. Lamento, dona Solange, mas sou descrente de que algo de bom vá ocorrer por essa via. Quando recebo esses números, monto um jogo da Mega Sena, invisto R$ 2 e ganho, de verdade, dois ou três dias de sonho a respeito do que farei com o prêmio da Mega Sena, caso o ganhe. Com os números de protocolo das agências não ganho nem as alegrias do sonho.

Considerar o aumento das multas um dos objetivos da Anac é um tapa na cara do passageiro. Só falta a agência fazer como o motorista de táxi de Salvador que, perguntado por um executivo apressado se não poderia andar mais rápido, respondeu: Meu rei, a pressa é toda sua!

Mais desconsolador foi ouvir a senhora confessar humildemente (e notei que a senhora baixou o tom de voz) que uma entidade pública como a Anac tem uma série de limitações e? reticências.

Eu me lembrava da senhora de colete de serviço, dando a cara nos aeroportos e mostrando que havia alguém encarregado de tentar resolver problemas, dando aos viajantes a noção personificada de que havia alguém à frente do processo.

Por essas e outras não me animei quando o presidente Lula anunciou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, composto de empresários e pessoas bem-sucedidas, para ajudá-lo a governar melhor. Desse mato não saiu nenhum coelho. Não por que as pessoas que lá estavam não eram competentes, mas porque as limitações que a burocracia impõe aos que resolvem desafiá-la são implacáveis. Nada anda.

Circulou a notícia de que a presidente Dilma queria levar o empresário Jorge Gerdau Johannpeter para o governo, na esperança de que ele fosse capaz de desatar uma série de nós burocráticos. Como não se falou mais no assunto, acho que ele não aceitou. Aliás, melhor assim. Tomara que ele continue a comprar e a montar siderúrgicas mundo afora, administrando-as com critérios empresariais seus e de seus executivos.

Para que correr o risco de ser um Gulliver em Lilliput? Apesar do seu tamanho em matéria de competência e de seu gigantismo em matéria empresarial, por que entrar numa situação em que ficaria atado por milhares de anões cujo princípio básico é não mudar nada, sobretudo para não correr riscos?

Pode ser que haja muita coisa errada com a educação no Brasil (e há) quando se diz que ela não educa as pessoas para serem competitivas. Mas essa ausência de educação adequada não é o único empecilho. Mais do que isso é a plêiade de normas burocráticas governamentais que tudo tenta regular para reduzir os riscos de mudança (toda mudança é ameaçadora?).

Então, de uma vez por todas, gostaria de ajudar a jogar uma pá de terra na crença dos governantes de que conseguirão ser mais eficientes se levarem mais empresários eficientes em empresas privadas para dentro do governo.

O que conseguiremos será apenas um desperdício de talentos que mais bem aplicados estão crescendo com suas empresas, gerando empregos, lucro e multiplicando seus benefícios do que sendo atados ao chão como Gulliver, impedidos de levar a eficiência a que estão acostumados para um ambiente que recompensa os que nada fazem.

A última frustração, dona Solange, foi a senhora não ter dito - mas, honestamente, eu não esperava: "parabéns, passageiro, a multa é toda sua."

Boa sorte no novo cargo.
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