sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Cobiça



MERVAL PEREIRA
O GLOBO


Mais uma vez o Congresso foi palco de lamentáveis demonstrações de cobiça na aprovação, na noite de terça-feira, do projeto que redefine a distribuição dos royalties do petróleo, prevalecendo no plenário a proposta do senador Pedro Simon, que distribui os royalties a estados e municípios tanto do pré-sal quanto do pós-sal pela proporção do Fundo de Participação, sem levar em conta se são produtores.

Para compensar os prejuízos, a União ressarciria, com "os royalties e as participações especiais", os estados e municípios que perderem arrecadação.

Como o sistema de partilha aprovado pelo governo para o pré-sal acabou com o pagamento de participações especiais, essa é outra disputa que teria que ser travada pelos estados e municípios produtores de petróleo.

O fim das participações especiais, aliás, é outro golpe na arrecadação dos estados produtores. Estima-se que o Estado do Rio deixará de arrecadar R$25 bilhões que seriam devidos por participações especiais no modelo de concessão anteriormente vigente.

O projeto de lei aprovado fala apenas de "royalties", que são limitados a 10% do valor da produção. Já as "participações especiais" têm alíquotas crescentes, de até 40% da receita líquida sobre a produção dos grandes campos brasileiros.

Ao não cobrar as PEs, o Estado brasileiro está abrindo mão de dezenas de bilhões de reais em tributos previstos no modelo de concessão, favorecendo a Petrobras.

Com a aprovação extemporânea e sem um debate aprofundado da mudança do sistema de concessão para o de partilha ? com a consequência da mudança da divisão dos royalties, que a partir da nova lei serão distribuídos a todos os estados e municípios por meio do Fundo de Participação ?, os estados produtores estão tendo que limitar sua luta à recuperação do que perderam, os royalties sobre o pós-sal e dos campos do pré-sal já licitados.

Esse é um direito adquirido que está sendo ferido pela nova lei. Como a votação na Câmara tomou ares de disputa de butim, sem que exista uma visão estratégica de país em discussão, e nem a questão federativa seja debatida, o mais provável é que a questão não se esgote com o puro veto do presidente Lula.

O ânimo dos senhores deputados é mesmo o de retirar o que consideram "privilégios" dos estados produtores, muito especialmente o Rio de Janeiro, que, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), fica com mais de 80% dos royalties, enquanto os municípios fluminenses podem ficar com até 75% do total destinado a todos os municípios.

Para se ter uma ideia dos ânimos regionais, quando um representante do Rio, o deputado Chico Alencar, do PSOL, apelou para o bom senso de seus pares, chamando a atenção para o fato de que "o Rio também faz parte do Brasil", foi rebatido pelo deputado Ibsen Pinheiro com a afirmação "Mas o Rio não é o Brasil", numa clara posição de contrapor supostas regalias às necessidades dos demais estados brasileiros. Ibsen foi aplaudido.

Por sinal, ele é o autor da primeira emenda que mudava o critério da distribuição dos royalties, desrespeitando até mesmo o direito adquirido dos estados e dos municípios produtores.

Sua proposta foi substituída pela do senador Pedro Simon, que mantém o mesmo espírito, mas determina que a União indenize os estados e municípios que tiverem perda com a mudança de critério, o que provavelmente servirá de base para o presidente Lula vetar a mudança, pois não há no Orçamento da União previsão para tal despesa.

Mas a proclamação de Ibsen Pinheiro contra o Rio de Janeiro soa como se o Estado estivesse tirando alguma coisa dos que não produzem petróleo.

O espírito da lei que determinou os royalties foi compensar os custos que os estados produtores de petróleo têm com a exploração, não apenas materiais, mas também ambientais.

Ao mesmo tempo, os royalties procuram também compensar o pagamento do ICMS no consumo e não na origem, o que prejudicou os estados produtores nas negociações da Constituinte.

O que ficou patente na falta de discussão séria da questão federativa dos royalties é que a política está cada vez mais baseada no toma lá dá cá, sem que haja um pensamento orgânico sobre o país para embasar as decisões do Congresso.

Para garantir um quórum alto na sessão, fizeram uma pauta que privilegiava interesses os mais variados: Lei Kandir, Bingo, microempresas e prorrogação do Fundo da Pobreza.

O deputado Miro Teixeira, do PDT, chama a atenção para o que classifica de "redução da política" à concessão de vantagens, mesmo que admita que alguns temas, como o das microempresas, são importantes.

Com esse ânimo, o mais provável é que a questão tenha que ser decidida pela Justiça, já que os deputados e senadores estão dispostos a derrubar o veto do presidente e a derrotar qualquer novo projeto que garanta os direitos dos estados produtores nos campos já em produção.

A questão básica, que é o direito adquirido garantido pela Constituição, está sendo superada pelos interesses regionais.

Ao insistir na versão fantasiosa de que foi vítima de uma tentativa de golpe no episódio do mensalão, em 2005, o presidente Lula está tentando fazer o que mais gosta: reescrever a História a seu favor, tentando lavar da imagem do PT um dos episódios mais vergonhosos de corrupção já ocorridos no país.

Como o ex-deputado federal José Dirceu, cassado no episódio e acusado pelo procurador-geral da República de ser o chefe da quadrilha do mensalão, anunciou recentemente, depois de ter tido um encontro com o presidente no Palácio da Alvorada, Lula vai ajudá-lo na campanha para provar que o mensalão nunca existiu.
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