quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sem reforma tributária

Maílson da Nóbrega
Veja - 13/12/2010

 Na campanha, Dilma prometeu a reforma tri­butária. Lula foi mais longe em 2002: disse que a reforma sairia em seis meses. Enviou um tímido projeto ao Congresso, mas não lutou por ele. Deixa o governo com um sistema tributário ruim, piorado pela bagunça do ICMS.
O Brasil tem um confuso, complexo e inefi­ciente sistema tributário. Nessa área, o Doing Bu­siness 2011 do Banco Mundial nos classifica na 152" posição entre 183 países. Aqui. uma empre­sa consome 2600 horas por ano para pagar tribu­tos, muito mais do que nos outros membros dos Brics: Rússia (320). Índia (258) e China (398).
Perdemos para quase todos os maiores países latino-americanos: Argentina (453), Chile (316). Colômbia (208), México (404) e Peru (380). Na classificação regional, nossa posição só é melhor que a da caótica Venezuela (178") e a da pobre Bolívia (177").
Não era assim. Em 1967, o Brasil inaugurou um dos melhores sistemas tributários. Adoramos a tributação do consumo pelo valor agregado (IVA). O método é mais eficiente do que o da cobrança em cascata, na qual impostos incidem sobre im­postos, produzindo ineficiências em cadeia.
O IVA é hoje adotado por mais de 130 países.
Nós o introduzimos antes de nações desenvolvidas como o Reino Unido, que o adotou em 1973.lnfe­lizmente, cometemos o erro de criar dois IVAs, um federal (TPI) e outro estadual (o ama! ICMS), e um tributo em cascata municipal (ISS).
Nos territórios divididos em estados ou países, o IV A precisa ser harmônico em todas as partes. Na União Europeia, esse é um de seus pomos cen­trais. Os países não podem mudar as regras a seu talante. Trocam autonomia por eficiência na tributação, evitando burocracia e custos de transação.  r
 No começo, era assim no Brasil. Os estados  não tinham autonomia para legislar sobre o lCM  (o antecessor do lCMS). Podiam conceder incentivos fiscais e estabelecer algumas regras, desc que sob a concordância de todos, mediante convenio. As alíquota eram fixadas pelo Senado federal!. A harmonização era razoável.
Ai veio a Constituição de 1988. Decidiu-s pela autonomia dos estados. descentralizando I poder de legislar sobre o lCMS. Isso não exisb em federações como as da Alemanha, Austrália  Áustria e Nova Zelândia. Lá, o governo centra cobra o TVA e o partilha com as outras unidade da federação.
O caos se instalou aos poucos. A guerra fiscal se ampliou. Estados criaram incentivos para importações por seus portos, com perversos efeitos econômicos. O Judiciário se entupiu de ações. Estados brigam contra estados. Empresas prejudicadas questionam judicialmente os incentivos para importar.
A bagunça se acelerou com a substituição tributária do lCMS. em que o tributo é arrecadado na origem da cadeia produtiva. Imaginado para pou­cos casos de comercialização pulverizada, como a de cigarros e bebidas. o método se generalizou.
A substituição tributária combate a sonegação, mas é péssima para a eficiência. Empresas pagam mais do que deveriam, pois não dá para  antecipar corretamente o valor agregado nas etapas posteriores. As pequenas e as microempresas perdem o tratamento fiscal favo­recido que a lei lhes atribuiu.
Além de provocar a bagunça, a Constituição ampliou os gastos com servidores e aposentados (ho­je mais de 70% das despesas públicas do país). Os aumentos reais do salário mínimo pioraram a situação. Computados os gastos obrigatórios com educação, saúde e juros, o total passa de 32% do PID .
. Temos dois graves problemas. Primeiro. o ta­manho da carga tributária (35% do PID), a maior de rodos os países emej"gemes (entre 20% e 25o/é do PID). Segundo, a complexidade do sistema. A solução do primeiro requer mudança na estrutura dos gastos, impossível nas próximas décadas. A do segundo exige a concordância dos governadores.
O grande nó é o ICMS. Os governadores pri­vilegiam a arrecadação e os incentivos fiscais. ainda que isso prejudique a economia do país. Se crescermos menos, a culpa não irá para eles, mas para o governo federa!.
São excessivas as expectativas sobre a refor­ma. Dilma terá feito muito se conseguir uma legis­lação única para o lCMS. inibir os exageros da substituição tributária e diminuir a burocracia.

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