domingo, 19 de dezembro de 2010

Uma economia menos anormal



VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO


Finança brasileira deve ficar menos primitiva com o bom pacote de incentivo ao mercado de capitais

PASSOU MEIO em branco uma das mudanças regulatórias mais importantes do governo Lula na área econômica. Trata-se do pacote de medidas que elimina alguns dos empecilhos que impedem o setor financeiro privado de oferecer financiamento de mais longo prazo e baratear o capital para empresas.
Parece muito chato, sim. Medidas e fatos tão importantes assim já passaram meio despercebidos nos anos Lula. Na época de sua criação e/ou implementação, o crédito consignado, mudanças no financiamento e na regulação do setor imobiliário ou o "pagamento" da dívida externa não causaram comoção. Mas foram fatores fundamentais para que se aumentasse a oferta de crédito e para que se reduzisse o risco percebido de investir no país.
As "microrreformas" foram um fator auxiliar muito importante no aumento da fatia do crédito em relação ao PIB de 24%, ao final dos anos FHC, para quase 48% agora. O "pagamento" da dívida externa ajudou a baixar o "risco país" e a trazer crédito externo mais barato em prazos melhores, o que teve papel relevante também na baixa dos juros "domésticos". Trata-se de iniciativas que propiciam a normalização da economia brasileira.
Além de mexer em alguns entulhos burocrático-legais, as medidas reduzem impostos sobre vários tipos de instrumentos financeiros; flexibilizam exigências regulatórias sobre bancos (depósitos compulsórios de bancos e investimento mínimo em habitação). Em tese, o pacote limpa o terreno de tocos e pedras que tolhiam o crescimento de fontes de captação e empréstimo de dinheiro. Pode, enfim, criar mercados amplos e profundos de negociação de títulos de empresas e títulos lastreados em operações imobiliárias, de fundos grandes de investimento em infraestrutura. Enfim, é um pacote que permite eliminar vários traços primitivos do mercado brasileiro.
Em tese, tais medidas podem fazer com que o setor privado assuma tarefas hoje a cargo do BNDES. Assim, o banco pode ficar um pouco menor, assim como talvez se reduza a quantidade de empréstimos subsidiados com dívida ou dinheiro públicos (os do BNDES). De quebra, isso pode fazer com que os juros "reais de fato" do Brasil reflitam mais as condições do mercado. De resto, talvez se possa tirar o Estado (o BNDES) de um papel que pode ser exercido pelo mercado, atribuindo ao banco tarefas como financiar empresas menores, novas, inovadoras em ciência, tecnologia e produtos, para as quais não há dinheiro ou que não atraem o apetite do setor privado brasileiro, ainda muito medroso e avesso ao risco.
A eliminação de várias esquisitices da economia brasileira foi um dos fatores da redução da taxa real de juros (vide gráfico). Indexações, impostos demais e uma lei básica do setor financeiro velha de quase meio século são outros empecilhos. A equipe econômica de Dilma Rousseff têm pacotes a apresentar.
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