quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Verbas públicas: O custo das licenças de deputados

 Lúcio Vaz
Correio Braziliense


Em quatro anos, a Câmara Federal teve uma despesa extra de R$ 13,8 milhões. Os gastos são referentes aos vencimentos de parlamentares licenciados para ocupar cargos no Executivo e que optaram pelos altos salários pagos no Legislativo.

Nos últimos quatro anos, cofres da Câmara tiveram gasto extra de R$ 13,8 milhões em função das licenças de deputados para ocupar ministérios e secretarias estaduais. Quando vai, o parlamentar pode optar por manter o salário e a Casa ainda arca com os vencimentos dos suplentes

A cada legislatura, dezenas de deputados se licenciam do mandato para ocupar cargos de ministro e de secretário de estados e de capitais. Os parlamentares ganham visibilidade e exposição da mídia graças às obras que realizam. É uma ajuda de peso para a reeleição. Isso quando não dá tudo errado no governo. Para os governadores, esses secretários se tornam importantes contatos com o governo federal, os ministérios e o próprio Congresso. Eles conseguem dinheiro para o estado. Mas tudo isso tem um custo. Como o deputado pode optar, ele escolhe o salário maior, que é o de parlamentar (R$ 16,5 mil). E a Câmara ainda tem que pagar o salário do suplente. Nos últimos quatro anos, essa despesa extra ficou em R$ 13,8 milhões, como mostra levantamento inédito feito pelo Correio.

Juntos, os 45 deputados licenciados ficaram afastados por 25 mil dias. Seriam 839 meses, ou 69 anos. Quem ficou mais tempo afastado do mandato foi Alexandre Cardoso (PSB-RJ), que ocupou a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro durante 1.210 dias, o equivalente a três anos e meio. A sua votação subiu de 102 mil votos, em 2006, para 142 mil nestas eleições. Garantida a reeleição, reassumiu a secretaria em 19 de outubro.

Mas o dinheiro extra gasto pela Câmara não vai fora. Como as secretarias deixam de pagar o salário dos secretários, ocorre, na prática, um repasse de recursos da União para estados e municípios. Neste mandato, essa transferência involuntária ficou em R$ 11,9 milhões. Quatro deputados, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), José Múcio Monteiro (PTB-PE), José Pimentel (PT-CE) e Reinhold Stephanes (PMDB-PR) ocuparam os cargos de ministro da Integração Nacional, Relações Institucionais, Previdência e Agricultura, respectivamente. Nesses casos, não faz diferença qual o salário escolhido pelo parlamentar, porque o dinheiro sai do mesmo cofre, do Tesouro Nacional. O salário de ministro é R$ 10,7 mil.

Há outro cálculo que precisa ser feito. Trata-se da diferença entre o salário de deputado e o de secretário estadual ou municipal, que fica em torno de R$ 10 mil. Como os parlamentares escolhem sempre o maior, há um prejuízo para os cofres públicos, sem considerar qual a fonte pagadora. Analisando caso por caso, com o salário de cada cargo, é possível verificar que a conta ficou em R$ 5,3 milhões. Pode ser pouco, mas é dinheiro que poderia ser utilizado em benefício do contribuinte.

Abertura
O estado que mais recebeu deputados foi a Bahia. Foram cinco. O deputado João Leão (PP), que ocupou a Secretaria de Infraestrutura durante oito meses, afirma que a presença de tantos deputados no governo ajudou o governador Jaques Wagner (PT). %u201CNós temos uma experiência adquirida na Câmara. Eu estou aqui há 20 anos. Isso facilita a vida do governador. Por exemplo, estavam previstas 25 mil ligações no Luz para Todos. Nós pulamos para 100 mil. No fim, consegui mais 100 mil para o próximo ano. E mais 200 mil urbanas. É um investimento de R$ 1 bilhão. Isso é a experiência. Eu pego o telefone e ligo para o Lobão. Ele foi meu companheiro, meu amigo na Comissão de Orçamento. Você chega a um ministério, todo mundo conhece.%u201D

Ele também conseguiu dinheiro para asfaltar 1,6 mil km de estradas. Na disputa pela reeleição, a sua votação explodiu. Havia obtido 97 mil votos em 2002 e 103 mil em 2006. Neste ano, foram 203 mil votos. Questionado se o cargo de secretário ajuda na busca por votos, respondeu sem rodeios: "Ajuda. Eu estou na mídia na Bahia o tempo todo, dando entrevista em rádio, televisão, jornal. Isso facilita a visibilidade do parlamentar".

Mas o modelo não serve para todos, até porque o secretário depende do desempenho do governo. O deputado Augusto Carvalho (PPS-DF) afastou-se do mandato para ocupar o cargo de secretário de Saúde do Distrito Federal. Foram 461 dias de gestão. Ele caiu em consequência do escândalo do mensalão do DEM, que levou à queda do então governador, José Roberto Arruda. "Aceitei o convite na expectativa de que tinha condições de melhorar as condições de atendimento à população na rede pública. Eu sabia que era um grande desafio. E confirmei aquilo que todos nós sabíamos, como a máquina pública é difícil, complicada, como tudo é demorado. Quem me criticava está vendo que o problema não é a pessoa que está lá. As questões da saúde são estruturais, aqui agravadas pela questão do Entorno".

Valeu a pena? %u201CTe confesso que foi uma experiência dolorosa conhecer por dentro, tentar fazer. Não valeu a pena porque, quando tudo estava por florescer, por acontecer, pegaram o homem errado na hora errada. Eu integrava um governo que acabou se desfazendo por um escândalo. Eu jamais poderia ter a premonição de que o governador estaria preso. Senti os efeitos no meu mandato e na perspectiva eleitoral. Foi dramático.%u201D Dos 79 mil votos que conseguiu em 2006, restaram 19 mil.

Escada acima
O prejuízo aos cofres públicos tende a aumentar consideravelmente na próxima legislatura com a iminência de um aumento de 62% nos vencimentos de deputados e senadores. A proposta deve ser votada nesta semana. Com isso, eles passarão a ganhar R$ 26,7 mil, fora os valores de verbas de gabinete, indenizatórias, de cotas de passagens, telefone e despesas médicas, que, somados, ultrapassam R$ 100 mil por mês. Atualmente, os congressistas recebem R$ 16,5 mil.
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