segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Carga tributária é recorde, mas investimento patina

FOLHA DE S. PAULO
Fernando Canzian


Com gasto engessado, infraestrutura recebeu o mesmo que nos anos FHC

Confirmada previsão de crescimento econômico de 7,5%, impostos serão 37% do PIB; espaço para cortar despesa é mínimo

Em breve o presidente Lula deixará o cargo após oito anos com o Estado se apropriando de cerca de 37% de tudo o que o Brasil tiver produzido em 2010. Será mais um recorde de "nunca antes na história deste país".

Se confirmada a expectativa de crescimento da economia de 7,5% neste ano, o PIB (Produto Interno Bruto) de 2010 chegará a R$ 3,42 trilhões. Com a arrecadação estimada em R$ 1,27 trilhão, ela equivalerá a 37,1% do PIB.

No período pós-democratização, o governo Lula terá sido o que mais aumentou o peso dos impostos sobre a sociedade: 4,5 pontos percentuais a mais em oito anos.

Nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso, o aumento foi de quatro pontos (de 28,6% para 32,6%), segundo série estatística do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).

Mesmo tendo acelerado a arrecadação como proporção do PIB, Lula (na média de sete anos, até 2009) não ultrapassou FHC nos investimentos em infraestrutura.

Apesar dos PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) 1 e 2, ambos os governos investiram o mesmo: uma média de 0,7% do PIB.

Com o resultado de 2010, é provável que Lula supere a média de FHC, mas por pouco. Ela passaria a 0,76%.

CORTE DE GASTOS

Quase a totalidade do aumento da carga tributária sob Lula foi destinada a gastos correntes, que se tornaram obrigatórios e permanentes.

Por conta desse "engessamento" do gasto, no momento em que se discute a necessidade de cortes (e a presidente eleita, Dilma Rousseff, prometeu fazê-lo) é pequena a margem para contenção.

Apesar da arrecadação em alta, só 8% do gasto não financeiro (excluindo os juros da dívida pública) são passíveis de cortes caso o governo opte por não reduzir ainda mais os investimentos.

Segundo especialistas, o aumento do gasto e sua contrapartida (o baixo nível de poupança do Estado) vêm produzindo ao menos três grandes desequilíbrios:

1) Uma trajetória mais lenta na queda da dívida pública, pois, mesmo tendo mais receita, o governo diminuiu a poupança para pagar juros;

2) A possibilidade crescente de o Banco Central ter de elevar os juros (e a dívida pública) para conter a atividade econômica e a inflação;

3) A rápida deterioração das contas externas, já que o país importa mais para atender ao consumo em alta.

O pano de fundo de tudo é um modelo de crescimento baseado em crédito e consumo (públicos e privados). Não em mais investimentos.

"O Brasil insiste em um padrão, o mesmo que ajudou a eleger Dilma, que vai chegando ao seu limite", afirma o especialista em contas públicas Raul Velloso.

Pelos seus cálculos, cerca de 51 milhões de brasileiros/ eleitores (1 milhão deles servidores federais) absorvem hoje 70% do gasto não financeiro da União via salários, aposentadorias e outros benefícios sociais.

Há quatro anos, eram 40 milhões. Daí a margem cada vez menor para diminuir as despesas (veja quadro).

CONTA DE JUROS

Para o economista Amir Khair, Dilma poderá ter receitas maiores para investimentos caso consiga diminuir as despesas com juros.

Khair elogia a ação do Banco Central de restringir a oferta de crédito ao consumo pela via do recolhimento de parte dos depósitos à vista dos bancos (o chamado depósito compulsório no BC).

Isso tende a esfriar a economia, evitando juros e dívida pública maiores.

Patrocinadora do Impostômetro, painel que mede a arrecadação tributária, a ACSP (Associação Comercial de São Paulo) considera difícil a meta de conter rapidamente os gastos em 2011.

"Gasto quase sempre tem nome e endereço. E ele foi ficando cada vez mais engessado", diz Marcel Solimeo, economista da ACSP.

Na semana passada, Lula e o presidente do Senado, José Sarney, criticaram o fim da CPMF (o imposto do cheque) e a correspondente perda de R$ 150 bilhões desde 2008.

"Não ficaria surpreso se o governo voltar a insistir no retorno da CPMF e conseguir aprová-la", diz José Elói Olenike, presidente do IBPT.
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