terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Em busca do BRASIL de longo prazo

VALOR ECONÔMICO


Se há um consenso entre os economistas brasileiros é o de que o país tem poupança insuficiente, um baixo nível de investimentos e uma preferência doentia pelo curto prazo. Daí a boa receptividade, ainda que acompanhada de certo ceticismo, com que se recebeu, na semana passada, o pacote de medidas do governo para estimular o financiamento privado a investimentos de longo prazo, reduzir a inadimplência do setor rural e incentivar o mercado de títulos vinculados a créditos imobiliários. Não há dúvidas sobre a necessidade das medidas; a questão é se serão eficazes e suficientes.

O conjunto de medidas anunciado na quarta-feira combina mudanças legais para facilitar a emissão e transação de títulos de longo prazo. Para isso, prevê redução de impostos que, pelos cálculos do Ministério da Fazenda, deve representar uma renúncia de R$ 162 milhões em receitas do governo federal no primeiro ano. A intenção é canalizar até R$ 350 bilhões em recursos do setor privado para financiamentos de prazos mais longos. É parte do total necessário para assegurar a meta de elevação do nível de investimentos, dos atuais 19% para 23% do Produto Interno Bruto (PIB). O que não for obtido com o mercado de capitais seria garantido com o reinvestimento dos lucros das empresas.

Explícito nas medidas do governo está o recado de que a tradicional carência de financiamento de longo prazo no Brasil não poderá mais ser atendida pelo Estado, como nos últimos anos, em que o Banco Nacional Econômico e Social (BNDES) foi convocado para dar o fôlego requerido aos investimentos no país, amparado pelas mãos generosas do Tesouro Nacional. O BNDES manterá um papel importante, porém, autorizado a emitir letras financeiras para complementar com recursos do mercado privado suas fontes de financiamento. E decidido a emitir, ele próprio, debêntures com taxas prefixadas da BNDESPar. 

O BNDES também terá participação no fundo a ser criado para comprar e vender, no mercado secundário, os títulos de longo prazo destinados a investimentos em infraestrutura e compra de máquinas e equipamentos. E, para estimular o setor privado a consolidar um mercado secundário para os novos papéis de longo prazo, vai oferecer títulos de sua carteira para aluguel, por instituições financeiras interessadas em se tornar "formadoras de mercado". Foi a maneira encontrada de estender o horizonte dos financiamentos, operando em um mundo de expectativas de ganho imediato e de incertezas remanescentes.

No esforço para estimular o financiamento privado, o governo deixou de lado a preocupação com o ingresso de moeda estrangeira, que tem sustentado a cotação valorizada do real e minado a competitividade das exportações brasileiras: até os investidores estrangeiros foram brindados com a redução de impostos - para zero no caso de pessoa física e para 15% no de pessoa jurídica para debêntures e projetos de infraestrutura. As pessoas físicas não residentes não pagarão imposto em títulos de longo prazo com certas características fixadas pelo governo.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, teve a sinceridade de dizer que o êxito das medidas dependerá de uma política econômica capaz de reduzir as taxas de juros dos títulos públicos, aplicação cheia de garantias e muito bem remunerada que compete deslealmente com as alternativas de investimento - e que continuará competindo, enquanto o Comitê de Política Monetária (Copom) não tiver confiança para baixar as taxas. É evidente, ainda, que a adesão do setor privado à tarefa de financiar as perspectivas de longo prazo do país não será capaz de dispensar a presença do BNDES, que já prepara um novo pedido de recursos ao Tesouro, algo da ordem de R$ 60 bilhões.

Coutinho poderia comentar também outro requisito que sabe ser indispensável para estimular o setor privado a financiar, no volume necessário, as obras de grande porte demandadas pelo país. Sejam as obras destinadas à Copa do Mundo e à Olimpíada, sejam as exigidas para reduzir o fosso de competitividade em que se afunda a indústria brasileira, esses investimentos exigem mecanismos de garantia e de seguro de longo prazo que ainda não são suficientemente disponíveis no Brasil. Esse anúncio e o reforço do BNDES, o governo Lula deixa entre os restos a pagar, na conta da presidente Dilma Rousseff.
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