terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quanto vale um deputado federal?

José Roberto de Toledo
O Estado de S. Paulo

A dúvida pode assaltar algum eleitor após os congressistas em fim de mandato legislarem em causa própria, mais uma vez. Em poucas horas da quarta-feira, o que na velocidade legislativa equivale a nanossegundos, aprovaram na Câmara e no Senado aumento de 62% para si mesmos.

Todo valor é relativo. Em dinheiro no fim do mês, ninguém no Brasil vale mais do que um deputado federal. Com o novo salário de R$ 26.723,13, formam a família ocupacional mais bem paga do País, junto com ministros do Supremo, de Estado e o presidente da República.

Nada a ver com famiglia. Família ocupacional é jargão técnico: um dos níveis de agregação da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Oficialmente, os mais altos cargos da República não têm um código único na CBO. Mas os parlamentares provaram que estão aí para mudar as regras.

O propósito declarado da ação relâmpago dos congressistas foi equiparar os salários das cúpulas dos três Poderes. Logo, seria natural agregá-los em uma família ocupacional única. Poderia ser chamada de família nababa. É apenas uma sugestão.

A vantagem seria facilitar as comparações. Tomemos as famílias existentes na CBO. Segundo os dados oficiais mais recentes, da Rais de 2009, a mais bem remunerada de todas é a família dos 7.394 membros do Ministério Público: salário médio de R$ 24.371.

Não se pode deixar de corrigir esse valor pela inflação do período, seria uma injustiça com os parlamentares, que só passarão a receber seus R$ 26,7 mil em fevereiro de 2011.

Mesmo conferindo um aumento de 6,2% (IPC da Fipe em 2010) a todas as família ocupacionais, os nababos permanecem no topo da cadeia salarial, quase R$ 1 mil à frente dos procuradores. Essa supremacia salarial tem seu lado positivo.

Nababos poderiam virar unidade de referência da economia do trabalho. Por que pensar pequeno? Em vez de medir remunerações em salários mínimos, usemos os salários máximos. Quanto você ganha? Um professor responderia: centésimos de nababo.

Responsável por um dos raros 35 votos contra o autoaumento, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) sugeriu aos colegas que deixassem de usar o broche de parlamentar, temendo que eles pudessem sofrer agressões na rua por causa de comparações como essa. Exagero.

Nababos não gostam de pensar em fracionar seus salários. Melhor inverter a conta. Pós-aumento, um deputado vale um magistrado. Mas isso não quer dizer muita coisa, já que era esse o objetivo dos parlamentares. Comparemos com cargos fora do poder público.

Sempre usando como referência a Rais de 2009 devidamente corrigida pela inflação, a remuneração mensal de um deputado federal equivale, por exemplo, ao salário médio de dois diretores de empresa.

"Não o dos diretores das minhas empresas", poderia reclamar um parlamentar mais exaltado. Mas convém lembrar que nem toda família ocupacional é tão unida e igualitária quanto a dos nababos, em que todos ganharão o mesmo valor a partir de fevereiro. Toda média esconde distorções.

Os responsáveis pelas estatísticas da Rais dividem a massa salarial da família ocupacional pelo número de seus integrantes. No caso, R$ 117 milhões por 8.183 diretores de marketing e comercialização. Uns ganham mais do que outros, mas, na média, eles recebiam R$ 14,4 mil em dezembro de 2009.

Por essa conta, 1 deputado vale 3 engenheiros, 5 advogados, 6 médicos, 7 gerentes, 8 bancários, 9 dentistas, 10 professores de escola técnica, 11 operários de montadoras de carros, 14 mecânicos, 15 professores do ensino médio, 17 professores do ensino fundamental e 20 auxiliares de enfermagem.

Com a diferença suplementar de que esses profissionais costumam ganhar no máximo 13 salários por ano. Um parlamentar recebe 15.

Quando estendemos a comparação a outras ocupações que não exigem diploma, a distância entre os nababos e os trabalhadores brasileiros aumenta exponencialmente.

Com o salário de um deputado dá para pagar 29 porteiros, 32 padeiros, 33 carregadores, 34 recepcionistas, 36 cozinheiros, 37 lixeiros, 38 garçons, 40 faxineiros, 44 empregados domésticos ou 47 profissionais do sexo.

Pensando bem, melhor esquecer esta última comparação. Um dos lados pode se ofender.
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