O Estado de S.Paulo
Diante dos primeiros ensaios de protesto contra o arquirrepressivo regime da Arábia Saudita, na esteira do despertar democrático na África do Norte e no Oriente Médio, o ministro do Exterior, príncipe Saud al-Faisal, um dos potentados da monarquia absoluta que controla o país desde a sua criação, disse que "cortará o dedo" que apontar acusações contra o governo. A milhares de milhas dali, o maior e mais poderoso estado totalitário do globo, a República Popular da China, prefere cortar pela raiz o risco de contágio dos levantes árabes.
Nas últimas semanas, coincidindo com a sessão anual de 15 dias do Congresso Nacional do Povo, o obediente Legislativo chinês, as autoridades se puseram a reprimir por antecipação - e com métodos cada vez mais duros - o que afinal se revelaria uma fracassada tentativa de promover passeatas silenciosas em pontos centrais de 35 cidades, como a Praça da Paz Celestial dos massacres de 1989 em Pequim. Diferentemente da praxe seguida em situações que o Partido Comunista considera potencialmente desestabilizadoras, desta vez as autoridades não se limitaram a cortar a internet - o instrumento por excelência de denúncia e mobilização no mundo de hoje.
Os correspondentes estrangeiros na capital e em metrópoles do porte de Xangai foram advertidos de que precisariam permissão especial - que obviamente não seria concedida - para ir aos locais que pudessem ser palco de manifestações. Jornalistas que desconsideraram o aviso foram agredidos à vista de todos por policiais à paisana, em áreas movimentadas como o maior centro comercial de Pequim, e depois detidos por algum tempo, para aprender a lição. Mas isso não foi nada perto do que os dissidentes chineses - e todos quantos tidos como suspeitos de atentar contra a segurança do Estado, no jargão oficial - têm passado desde então.
Segundo levantamento de uma organização de defesa dos direitos humanos sediada em Hong Kong, pelo menos 8 pessoas foram presas, sob a acusação de subversão - passível de ser punida com a pena de morte - ou incitamento à subversão. Três advogados foram levados de suas casas às vésperas de 20 de fevereiro, quando deveria se realizar o primeiro protesto convocado anonimamente pela internet. Desde então, não se tem ideia do seu paradeiro. Wang Songlian, diretora do Chinese Human Rights Defenders, responsável pelo levantamento, disse à correspondente do Estado em Pequim, Cláudia Trevisan, que esta é a mais forte onda de repressão a ativistas políticos no país em 5 anos.
Para advogados que se especializaram em defender acusados de crimes políticos com base na própria legislação do regime - quase sempre em vão - o endurecimento não tem precedentes desde o início da acerba perseguição aos seguidores da seita Falun Gong, em meados de 1999. O clima é incomparavelmente mais tenso do que nas semanas que precederam a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, cujo esplendor não poderia ser maculado por manifestações pró-democracia. A atual campanha de intimidação supera até a que foi desencadeada no final daquele ano.
À época, no dia 16 de dezembro, 60.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU, três centenas de intelectuais e militantes assinaram a Carta 08, a versão chinesa da Carta 77 contra a opressão soviética na então Checoslováquia. O documento, idealizado pelo escritor Liu Xiaobo, pedia reformas democráticas e o fim do regime de partido único. Xiaobo, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2010, cumpre pena de 11 anos por "subversão". No momento, com o dissenso político mais reprimido do que nunca, o que leva desassossego à China são antes as mazelas econômicas.
A alta do preço dos alimentos e o agravamento da crise habitacional vêm se somar às crônicas desigualdades de renda e de condições materiais de vida entre a cidade e o campo, agravadas pelo explosivo crescimento do país, além da corrupção endêmica. Para sorte do regime, notou a revista britânica The Economist, não existe na China um autocrata que concentre a ira popular, como na Tunísia, Egito e Líbia.
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