Míriam Leitão
O Globo
A economia americana começou recentemente a entrar no terreno positivo, com sinais de crescimento. A Europa ensaia uma saída da crise que a sacudiu nos últimos meses. Justo agora, um fator perturbador de grandes proporções apareceu no painel de controle: o preço do petróleo. Ele pode elevar a inflação, afetar taxas de juros, abortar recuperações.
A Agência Internacional de Energia (AIE) alertou ontem exatamente para esse risco em cadeia. Os eventos separados têm efeito local, mas juntos eles aumentam o nível de incerteza sobre o suprimento de petróleo. Se o Egito é importante para a logística do produto, por causa do Canal de Suez, a Líbia é o terceiro maior produtor da África e tem a maior reserva do continente. Há outros produtores que podem entrar em ebulição.
O economista-chefe da AIE, Fatih Birol, disse que a recuperação da economia global está ainda muito frágil e que a alta do petróleo pode deteriorar a balança comercial de vários países, elevar a inflação, já pressionada por outras commodities, obrigando os bancos centrais a elevarem as taxas de juros, o que ameaçaria a recuperação.
Pode-se dizer que o risco não é tão alto dado que a Líbia produz apenas 1,6 milhão de barris por dia, ou 2% da produção mundial, mas os estoques podem não ser suficientes para cobrir o suprimento. A ENI, gigante italiana, anunciou ontem que suspendeu parcialmente sua produção de 150 mil barris/dia na Líbia. Fontes ouvidas pelo "Financial Times" calculam que metade da produção do país pode ter sido suspensa.
Mesmo que a Opep consiga elevar a produção para cobrir a falta de um fornecedor no mercado, o que está se espalhando é a incerteza. E nesse ambiente a especulação opera. "Os especuladores podem jogar uma parte do jogo, mas o mais importante é o risco de suprimento. Eles podem detonar uma elevação de preços, mas vão atuar em campo fértil, onde há problema real entre oferta e demanda", disse o economista da AIE, acrescentando que "a estabilidade da economia global está sob ameaça com os preços do petróleo entrando numa área de perigo."
Países da região produtora de petróleo mais importante do mundo estão enfrentando seus dilemas internos. Isso é tão desejável, quanto inevitável. Cada país tem uma situação específica, mas vários deles têm encontros com a verdade: uma população jovem, conectada em redes, querendo emprego, modernização, participação nas decisões do país. Para a economia, no entanto, isso significa incerteza, que representa risco. Neste ambiente, os preços sobem e as decisões de investimento são adiadas. Nada disso faz bem a países que davam os primeiros passos para a recuperação.
A região mais atingida pelo risco Líbia é a Europa. Não apenas porque compra 79% do óleo do país africano, mas porque a Líbia tem muitos investimentos na Itália, como um pedaço da Fiat, por exemplo. O fundo do próprio Muamar Kadafi comprou participações em empresas e empreendimentos italianos. Enquanto os rebeldes chegam cada vez mais perto de Trípoli, outros países começam a fazer concessões. O Bahrein anunciou libertação de presos políticos e o governo da Arábia Saudita anunciou aumento de benefícios sociais para a população.
Os economistas estão dizendo que a escalada de revoltas no norte da África e Oriente Médio cria um novo tipo de risco de contágio soberano. O Bank of America Merrill Lynch calculou que os eventos recentes na Líbia elevaram mais o preço do barril do que a queda do ditador egípcio, Hosni Mubarak. Enquanto o petróleo WTI disparou 8,5% nos dois primeiros dias desta semana, na queda de Mubarak o ajuste foi bem menor, de 4,5%. Ontem, o petróleo americano furou a barreira dos US$100. O Brent foi a US$111. O economista Helder Queiroz, da UFRJ, calcula que os preços podem voltar à cotação de antes da crise de 2008: US$145.
A economista Monica de Bolle, da Galanto consultoria, diz que a Líbia é um país com potencial sistêmico, ou seja, capaz de desencadear efeitos de contágio na economia mundial:
- A Líbia pode se transformar num problema sistêmico, ou seja, com potencial desorganizador da economia internacional porque possui muita reserva de petróleo. Por ser um país tribal, as soluções não são simples.
O mundo começa a se lembrar, uma vez mais, que é excessivamente dependente de um produto que vai se esgotar e que tem grandes reservas numa área conflagrada. David Zylberstajn acha que outras fontes de energia, renováveis, não fósseis, podem se beneficiar de mais uma onda de temor dos países consumidores. Uma das promessas do presidente Barack Obama foi de conduzir a recuperação da economia diminuindo a dependência da energia fóssil. Mas a matriz energética americana não permite maiores esperanças.
Em 2009, o crescimento do consumo de energia a partir de fontes renováveis foi de 8% nos Estados Unidos. O problema é que a base de comparação é muito baixa. Enquanto o petróleo representa 35% da matriz; o gás natural, 25%; e o carvão, 21%; as fontes renováveis são apenas 8%, segundo dados da Energy Information Administration, a agência americana de estatísticas de energia. Em relação ao consumo de energia elétrica, a projeção é saltar de 10% para 17% de fontes renováveis somente em 2035.
A dificuldade, segundo a agência americana, são os custos. Instalar e operar as plantas de geração renovável é mais caro que as de tecnologia convencional. Além disso, as áreas no país propícias para a energia eólica, por exemplo, ficam longe dos grandes centros, encarecendo custos na transmissão da energia.
Esse é o argumento que tem mantido a inércia do combustível fóssil, que aumenta o risco da mudança climática, e produz momentos de incerteza como os que se vive hoje.
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