quinta-feira, 3 de março de 2011

Um fracasso global


CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO

Ouso discordar da manchete de ontem desta Folha, que dizia: "EUA atropelam a ONU e anunciam sanções à Líbia".

Na verdade, aconteceu mais ou menos o contrário: o mundo, o mundo todo, é que foi atropelado pelas revoltas árabes e, talvez por isso, demora uma eternidade para tentar conter os massacres.

Se alguém disser que previu a onda de revoltas que começou em dezembro na Tunísia, ou está mentindo ou o fez em voz tão baixa que ninguém ouviu.

O fato é que o mundo todo está feito tonto tentando entender o que está acontecendo e antever o futuro, pelo menos o futuro imediato.

Há especialistas que até se atrevem a fazê-lo, geralmente em tom apocalíptico.

Diz, por exemplo, Elliott Abrams, que serviu no Departamento de Estado sob George Walker Bush e agora é pesquisador do Council on Foreign Relations: "[Gaddafi] deixará para trás uma terra arrasada sem governo alternativo, sem verdadeiros partidos políticos, sem experiência em eleições livres, imprensa livre, tribunais independentes ou qualquer um dos blocos constitutivos da democracia".

Apocalíptico ou realista, o diagnóstico não deixa margem para corrigir o passado. Mas, quanto ao presente, deveria haver meios de intervenção que impeçam a terra arrasada. Nada contra impor sanções à Líbia, congelar contas do ditador, parentes e cúmplices.

Mas nada disso serve para enfrentar o problema imediato que é parar a sangria.

Aí entra-se no território da governança global, que, a rigor, inexiste. A exasperante lentidão com que se move a ONU, só pior no caso da União Europeia, denuncia essa inexistência. As sanções, tal como até agora propostas, parecem destinadas mais à consciência do público ocidental do que a evitar o sangue. Que, de resto, ninguém sabe onde mais vai correr.
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